terça-feira, 14 de junho de 2011

Os pré-socráticos e a Grécia Clássica.

Pré-socráticos e a Grécia Clássica
Os primeiros filósofos gregos

De acordo com a tradição histórica, a fase inaugural da filosofia grega é conhecida como período pré-socrático, isto é, anterior a Sócrates, filósofo que estudaremos no próximo capítulo.
O período pré-socrático abrange o conjunto das reflexões filosóficas desenvolvidas desde Tales de Mileto (623-546 a.C.) até o aparecimento de Sócrates (468-399 a.C.).
Os pensadores de Mileto: a busca da substância primordial

Quando afirmamos que a filosofia nasceu na Grécia, devemos tornar essa afirmação mais precisa. Afinal, nunca houve, na Antigüidade, um Estado grego unificado. O que chamamos de Grécia nada mais é que o conjunto de muitas cidades-Estado gregas (pólis), independentes umas das outras, e muitas vezes rivais.
No vasto mundo grego, a filosofia teve como berço a cidade de Mileto, situada na Jônia, litoral ocidental da Ásia Menor. Caracterizada por  múltiplas influências culturais e por rico comércio, a cidade de Mileto abrigou os três primeiros pensadores da história ocidental a quem atribuímos a denominação filósofos. São eles: Tales Anaximandro e Anaxímenes.
Destacam-se, entre os objetivos desses primeiros filósofos, a construção de uma cosmologia (explicação racional e sistemática das características do universo) que substituísse a antiga cosmogonia (explicação sobre a origem do universo baseada nos mitos).
Por isso, tentaram descobrir, com base na razão e não na mitologia, o princípio substancial ou substância primordial (arché, em grego) existente em todos os seres materiais. Isto é, pretendiam encontrar a “matéria-prima” de que são feitas todas as coisas.

Tales de Mileto

“Tudo é água”. Tales de Mileto.
Tales (623-546 a. C., aproximadamente) costuma ser considerado o primeiro pensador grego, “o pai da filosofia”. Na condição de filósofo, buscou a construção do pensamento racional em diversos campos do conhecimento que, hoje, não são considerados especialidades filosóficas. Foi astrônomo e chegou  a prever  o eclipse total do Sol ocorrido em 28 de maio de 585 a.C. Na área da geometria demonstrou, por exemplo, que todos os ângulos inscritos no meio círculo são retos e que em todo triângulo a soma de seus ângulos internos é igual a 18O°.
Inspirando-se provavelmente em concepções egípcias, acrescidas de suas próprias observações da vida animal e vegetal, concluiu que a água é a substância primordial, a origem única de todas as coisas. Para ele, somente a água permanece basicamente a mesma, em todas as transformações dos corpos, apesar de assumir diferentes estados ( sólido, líquido e gasoso).

Anaximandro de Mileto

“Nem água nem algum dos elementos, mas alguma substância diferente, ilimitada, e que dela nascem os céus e os mundos neles contidos”. Anaximandro.
Anaximandro (610-547 a. C) procurou aprofundar as concepções de Tales sobre a origem única de todas as coisas. Em meio a tantos elementos observáveis no mundo natural- a água, o fogo, o ar etc. -, ele acreditava não ser possível eleger uma única substância material como o princípio primordial de todos os seres, a arché.
Para Anaximandro, esse princípio é algo que transcende os limites do observável, ou seja, não se situa numa realidade ao alcance dos sentidos. Por isso, denominou-o ápeiron, termo grego que significa “o infinito”. O ápeiron seria a “massa geradora” dos seres, contendo em si todos os elementos contrários.

Anaxímenes de Mileto

“E assim como nossa alma, que é ar, nos mantém unidos, da mesma maneira o vento envolve todo o mundo”. Anaxímenes.
Anaxímenes (588-524 a. C.) admitia que a origem de todas as coisas é indeterminada. Entretanto, recusava-se a atribuir-lhe o caráter oculto de elemento situado fora dos limites da observação e da experiência sensível.
Tentando uma possível conciliação entre as concepções de Tales e as de Anaximandro, concluiu ser o ar o principio de todas as coisas. Isso porque o ar representa um elemento “invisível e imponderável, quase inobservável e, no entanto, observável: o ar é a própria vida, a força vital, a que “anima” o mundo, aquilo que dá testemunho à respiração.

Pitágoras de Samos: o culto da matemática

“Todas as coisas são números”. Pitágoras.
Pitágoras (570-490 a.C., aproximadamente) nasceu na ilha de Samos, na costa Jônica, não distante de Mileto. Por volta de 530 a.C., sofreu perseguição política por causa de suas ideias, sendo obrigado a deixar sua terra de origem. Instalou-se, então, em Crotona, sul da Itália, região conhecida como Magna Grécia.
Em Crotona, fundou uma poderosa sociedade de caráter filosófico e religioso e de acentuada ligação com as questões políticas. Depois de exercer, por longos anos, considerável influência política na região, a sociedade pitagórica foi dispersada por opositores, e o próprio Pitágoras foi expulso de Crotona.
Para Pitágoras, a essência de todas as coisas reside nos números, os quais representam a ordem e a harmonia. Segundo o historiador de filosofia norte-americano Thomas Giles, “pela primeira vez se introduzia um aspecto mais formal (que considera as relações existentes entre os termos de uma operação do entendimento, independentemente da matéria ou conteúdo dessa operação) na explicação da realidade, isto é, a ordem e a constância”. Assim, a essência dos seres, a arché, teria uma estrutura matemática da qual derivariam problemas como: finito e infinito, par e ímpar, unidade e multiplicidade, reta e curva, círculo e quadrado, etc.
Pitágoras dizia que no “fundo de todas as coisas” a diferença entre os seres consiste, essencialmente, em uma questão de números (limite e ordem das coisas).
As contribuições da escola pitagórica podem ser encontradas nos campos da matemática (lembre-se do célebre teorema de Pitágoras), da música e da astronomia. A essas contribuições junta-se uma série de crenças místicas relativas à imortalidade da alma, à reencarnação dos pecadores, à prescrição de rígidas condutas morais, etc.

Heráclito de Éfeso: o movimento perpétuo do mundo

“Tudo flui, nada persiste, nem permanece o mesmo. O ser não é mais que o vir-a-ser”. Heráclito
Nascido em Éfeso, cidade da região jônica, Heráclito é considerado um dos mais importantes filósofos pré-socráticos. A data de seu nascimento e a de sua morte não são conhecidas. Há referências históricas de que, por volta do ano 500 a.C., estava em plena “flor da idade”.
Heráclito é considerado o primeiro grande representante do pensamento dialético. Concebia a realidade do mundo como algo dinâmico, em permanente transformação. Daí sua escola filosófica ser chamada de mobilista (de movimento). Para ele, a vida era um fluxo constante, impulsionado pela luta de forças contrárias: a ordem e a desordem, o bem e o mal, o belo e o feio, a construção e a destruição, a justiça e a injustiça, o racional e o irracional, a alegria e a tristeza, etc. Assim, afirmava que “a luta (guerra) é a mãe, rainha e princípio de todas as coisas”. É pela luta das forças opostas que o mundo se modifica e evolui.
Atribuem-se a Heráclito frases marcantes, de sentido simbólico, utilizadas para ilustrar sua concepção sobre o fluxo e a movimentação das coisas, o constante vir-a-ser, a eterna mudança, também chamada devir:
Não podemos entrar duas vezes no mesmo rio, pois suas águas se renovam a cada instante. Não tocamos duas vezes o mesmo ser, pois este modifica continuamente sua condição.
Assim, Heráclito imaginava a realidade dinâmica do mundo sob a forma de fogo, com chamas vivas e eternas, governando o constante movimento dos seres.

Os pensadores eleáticos: Reflexões sobre o ser e o conhecer

As diversas cosmologias que acabamos de estudar despertaram, na época, uma nova questão. Por que tanta divergência? Por que tantas opiniões contrárias?
Heráclito de Éfeso, como vimos, acreditava que a luta dos contrários formava a unidade do mundo. Já para os pensadores da cidade de Eléia, a partir de seu principal expoente, Parmênides, os contrários jamais poderiam coexistir. Os dois pensadores representam, portanto, pólos extremos do pensamento filosófico.
Foi a partir dessa discussão sobre os contrários, sobre o ser e o não-ser, que se iniciaram a lógica (os estudos sobre o conhecer) e a ontologia (os estudos sobre o ser) e suas relações recíprocas, conforme veremos a seguir.

Parmênides de Eléia

“O ente é; pois é ser e nada não é”. Parmênides
Nascido em Eléia, na Magna Grécia, litoral oeste da península Itálica, Parmênides (510-470 a. C.), aproximadamente) tornou-se celebre por ter feito oposição a Heráclito. Platão o chamava de Grande Parmênides.
Parmênides defendia a existência de dois caminhos para a compreensão da realidade. O primeiro é o da filosofia, da razão, da essência. O segundo e o da crendice, da opinião pessoal, da aparência enganosa, que ele considerava a “via de Heráclito”.
Segundo Parmênides, o caminho da essência nos leva a concluir que na realidade:
a) existe o ser, e não é concebível sua não-existência;
b) o ser e; o não-ser não é.
Em vista disso, Parmênides é considerado o primeiro filósofo a formular os princípios lógicos de identidade e de não-contradição, desenvolvidos depois por Aristóteles.
Ao refletir sobre o ser, pela via da essência, o filósofo eleático concluiu que o ser é eterno, único, imóvel e ilimitado. Essa seria a via da verdade pura, a via a ser buscada pela ciência e pela filosofia. Por outro lado, quando a realidade é pensada pelo caminho da aparência, tudo se confunde em função do movimento, da pluralidade e do devir (vir-a-ser).
Assim, na concepção de Parmênides, Heráclito teria percorrido o caminho das aparências ilusórias. Essa via precisava ser evitada para não termos de concluir que “o ser e o não-ser são e não são a mesma coisa”. Parmênides teria descoberto, assim, os atributos do ser puro: o ser ideal do plano lógico. E negou-se a reconhecer como verdadeiros os testemunhos ilusórios dos sentidos e a constatar a existência do ser-no-mundo: o ser que se exprime de diversos modos, os seres múltiplos e mutáveis.
Mas o filósofo sabia que é no mundo da ilusão, das aparências e das sensações que os homens vivem seu cotidiano. Então, “o mundo da ilusão não é uma ilusão de mundo”, mas uma manifestação da realidade que cabe à razão interpretar, explicar e compreender, até que alcance a essência dessa realidade. Não podemos confiar nas aparências, nas incoerências, na visão enganadora. Pela razão, devemos buscar a essência, a coerência e a verdade. “O esforço de toda sabedoria e, pois, para Parmênides, sistematizar isso, tornar pensável o caos, introduzir uma ordem nele.”
Para Parmênides, o mundo sensível é feito apenas de aparências e ilusões, inaugurando a escola eleática de pensamento, que centraria sua discussão no confronto entre o conhecimento racional e o sensível.

Empédocles de Agrigento: a unidade de tudo aquilo que se ama

“Pois destes (os elementos) todos se constituíram harmonizados, e por estes é que pensam, sentem prazer e dor”. Empédocles
Nascido em Agrigento (ou Acragas), sul da Sicília, Empédocles (490-430 a.C., aproximadamente) esforçou-se por conciliar as concepções de Parmênides e Heráclito. Aceitava de Parmênides a racionalidade que afirma a existência e permanência do ser (“o ser é”), mas procurava encontrar uma maneira de tornar racional os dados captados por nossos sentidos.
Defendia a existência de quatro elementos primordiais, que constituem as raízes de todas as coisas percebidas: o fogo, a terra, a água e o ar. Esses elementos são movidos e misturados de diferentes maneiras em função de dois princípios universais opostos:
Amor (philia, em grego) _ responsável pela força de atração e união e pelo movimento de crescente harmonização das coisas;
Ódio (neikos, em grego) _ responsável pela força de repulsão e desagregação e pelo movimento de decadência, dissolução e separação das coisas.
Para ele, todas as coisas existentes na realidade estão submetidas às forças cíclicas desses dois princípios.

Demócrito de Abdera: o átomo e a diversidade

“O homem, um microcosmo”. Demócrito
Nascido em Abdera, cidade situada no litoral entre a Macedônia e a Trácia, Demócrito (460-370 a.C., aproximadamente) foi discípulo de Leucipo (de Mileto é considerado o fundador da escola atomista) e um pensador brilhante. “Só a tradição impõe o título de pré-socrático a este pensador importante, nascido e morto depois de Sócrates.”
Responsável pelo desenvolvimento do atomismo, Demócrito afirmava que todas as coisas que formam a realidade são constituídas por partículas invisíveis e indivisíveis. Essas partículas foram chamadas átomos, termo grego que significa “não-divisível” (a = negação; tomo= divisível).
Para ele, o átomo seria o equivalente ao “conceito de ser” em Parmênides. Além dos átomos, existiria no mundo real o vácuo, que representaria a ausência de ser (o não-ser). Devido à existência do vácuo, o movimento do ser torna-se possível. O movimento dos átomos permite infinita diversidade de composições. Demócrito distinguia três fatores básicos para explicar as diferentes composições dos átomos:
Figura _ a forma geométrica de cada átomo. Exemplo: forma de A # forma de B;
Ordem _ a seqüência espacial dos átomos de mesma figura. Exemplo: AB # BA;
Posição _ a localização espacial dos átomos. Exemplo: a # a.
Para Demócrito, é o acaso ou a necessidade que promove a aglomeração de certos átomos e a repulsão de outros. O acaso é o encadeamento imprevisível de causas. A necessidade é o encadeamento previsível e determinado entre causas. As infinitas possibilidades de aglomeração dos átomos explicam a infinita variedade de coisas existentes.
A principal contribuição trazida pelo atomismo de Demócrito à história do pensamento é a concepção mecanicista, segundo a qual “tudo o que existe no universo nasce do acaso ou da necessidade”. Isto e, “nada nasce do nada, nada retorna ao nada”. Tudo tem uma causa. E os átomos são a causa última do mundo.

SOFISTAS: Os mestres da argumentação

Na Grécia Antiga, o período pré-socrático foi dominado, em grande parte, pela 'investigação da natureza. Essa investigação tinha, como vimos, um sentido cosmológico. Consistia na busca de explicações racionais para o universo manifestando-se na procura de um princípio primordial (a arché) de todas as coisas existentes. Seguiu-se a esse período uma nova fase filosófica, caracterizada pelo interesse no próprio homem e nas relações políticas do homem com a sociedade. Essa nova fase foi marcada, no início, pelos sofistas.
Os sofistas eram professores viajantes que, por determinado preço, vendiam ensinamentos práticos de filosofia. Levando em consideração os interesses dos alunos, davam aulas de eloqüência e de sagacidade mental. Ensinavam conhecimentos úteis para o sucesso “nos negócios públicos e privados.
O momento histórico vivido pelo mundo grego favoreceu o desenvolvimento desse tipo de atividade praticada pelos sofistas. Era uma época de lutas políticas e intenso conflito de opiniões nas assembléias democráticas. Por isso, os cidadãos  mais ambiciosos sentiam necessidade de aprender a arte de argumentar em público para conseguir persuadir em assembléias e, muitas vezes, fazer prevalecer seus interesses individuais e de classe.
As lições dos sofistas tinham como objetivo, portanto, o desenvolvimento da argumentação, da habilidade retórica, do conhecimento de doutrinas divergentes. Eles transmitiam, enfim, todo um jogo de palavras, raciocínios e concepções que seria utilizado na arte de convencer as pessoas, driblando as teses dos adversários.
Essas características dos ensinamentos dos sofistas favoreceram o surgimento de concepções filosóficas relativistas sobre as coisas. Conforme vimos anteriormente, para o relativismo, não há uma verdade única, absoluta. Tudo seria relativo ao indivíduo, ao momento histórico, a um conjunto de fatores e circunstâncias de uma sociedade.

Nem heróis nem vilões

Etimologicamente, o termo sofista significa “sábio”. Entretanto, com o decorrer do tempo, ganhou o sentido de “impostor”, devido, sobretudo, às críticas de Platão, cujo pensamento estudaremos mais adiante.
Desde então se considerou a sofística, isto e, a arte dos sofistas, apenas uma atitude viciosa do espírito, uma arte de manipular raciocínios, de produzir o falso, de iludir os ouvintes, sem qualquer amor pela verdade.
A verdade, em grego, se diz aletheia e significa a manifestação daquilo que é, o não-oculto. Aletheia se opõe a pseudos que significa o falso, aquilo que se esconde, que ilude. Os sofistas parecem não buscar a aletheia; se contentam com pseudos. Tanto assim, que se usa a palavra sofisma, derivada de sofista, para designar um raciocínio aparentemente correto, mas que na verdade é falso ou inconclusivo, geralmente formulado com o objetivo de enganar alguém.
Entretanto, abordagens mais recentes sobre a atuação dos sofistas procuram mostrar que o relativismo de suas teses fundamenta-se numa concepção flexível sobre os homens, a sociedade e a compreensão do real. Para os sofistas, as opiniões humanas são infindáveis, diversas e não podem ser reduzidas a uma única verdade. Assim, não existiriam valores ou verdades absolutas.
É importante destacar, porém, que não existe uma doutrina sofística única. O que há são alguns pontos comuns entre as concepções de certos sofistas, como Protágoras, Górgias e outros, o que permitiu que fossem considerados como um conjunto ou corrente.

Protágoras de Abdera: o homem como medida

 “O homem é a medida de todas as coisas; daquelas que são, enquanto são; e daquelas que não são, enquanto não são”. Protágoras
O "homem é a medida de todas as coisas". A frase de Protágoras tem sido reinterpretada segundo a tradição democrática contemporânea: o conhecimento do mundo é uma criação humana; portanto se constitui mediante o uso de nossa capacidade de perceber e entender as coisas, que varia de pessoa para pessoa, e de formar consensos. O primeiro dia (1794) - William Blake
Nascido em Abdera, cidade litorânea entre a Macedônia e a Trácia, Protágoras (480-410 a.C.) é considerado o primeiro e um dos mais importantes sofistas. Ensinou por muito tempo em Atenas, tendo como principio básico de sua doutrina a ideia de que o homem é a medida de tudo o que existe.
Conforme essa concepção, todas as coisas são relativas às disposições do homem, isto e, o mundo e o que o homem constrói e destrói. Por isso não haveria verdades absolutas. A verdade seria relativa a determinada pessoa, grupo social ou cultura.
A filosofia de Protágoras sofreu críticas em seu tempo por dar margem a um grande subjetivismo: tal coisa é verdadeira se para mim parece verdadeira. Assim, qualquer tese poderia ser encarada como falsa ou verdadeira, dependendo da Ótica de cada um.
Górgias de Leontini: o grande orador

“O bom orador é capaz de convencer qualquer pessoa sobre qualquer coisa”. Górgias
Górgias de Leontini (487-380 a.C., aproximadamente), considerado um dos grandes oradores da Grécia, aprofundou o subjetivismo relativista de Protágoras a ponto de defender o ceticismo absoluto. Afirmava que:
a) nada existia;
b) se existisse, não poderia ser conhecido;
c) mesmo que fosse conhecido, não poderia ser comunicado a ninguém.

Sócrates de Atenas (469-399 a. C.)
O poder das perguntas decisivas

“Ele supõe saber alguma coisa e não sabe, enquanto eu, se não sei, tampouco suponho saber. Parece que sou um pouco mais sábio que ele exatamente por não supor que saiba o que não sei”. Sócrates

“Só sei que nada sei” (ironia)

Filho de um escultor e de uma parteira, Sócrates nasce em Atenas. Figura muito conhecida na cidade, talvez já fosse reconhecido como “sábio” quando contava cerca de 40 anos. O próprio Sócrates, na versão apresentada por Platão, situa o início da sua atividade intelectual nessa fase já madura, quando teria recebido sua ”missão".
Essa missão origina-se numa consulta que seu amigo Querefonte faz aos deuses do santuário de Delfos, para saber se havia um homem mais sábio do que Sócrates. A resposta é negativa. Intrigado, pois não se julgava sábio, Sócrates resolve investigar. Conversa com um político, por todos considerado sábio, e chega à conclusão de que este apenas passava por conhecedor de todas as coisas. Diz o filósofo, nas palavras transcritas por seu discípulo Platão: "Mais sábio do que esse homem eu sou; é bem provável que nenhum de nós saiba nada de bom, mas ele supõe saber alguma coisa e não sabe, enquanto eu, se não sei, tampouco suponho saber. Parece que sou um nadinha mais sábio do que ele exatamente por não supor que saiba o que não sei". Não contente, Sócrates prossegue buscando alguém mais sábio, acreditando estar assim a serviço dos deuses. Mas o resultado é sempre o mesmo. Todos falam como se fossem sábios e, mesmo quando conhecem algo, extrapolam seus conhecimentos para assuntos dos quais não têm nenhuma noção.
A ironia socrática tinha um caráter purificador porque levava os discípulos a confessarem suas próprias contradições e ignorâncias, onde antes só julgavam possuir certezas e clarividências.
Nesta fase do diálogo, a intenção fundamental de Sócrates não era propriamente destruir o conteúdo das respostas dadas pelos interlocutores, mas fazê-los tomar consciência profunda de suas próprias respostas, das conseqüências que poderiam ser tiradas de suas reflexões, muitas vezes repletas de conceitos vagos e imprecisos.

Em busca da essência (maiêutica)

Sócrates simplesmente pergunta. Não ensina; quer aprender. Seu pensamento parece desprovido de conteúdo. Mas, se não há ensinamentos, ele propõe algo. Destruindo as respostas fáceis dos interlocutores, mostra que o pensamento deve ser mais prudente. Se as respostas saem fáceis é porque a pergunta foi mal formulada, e apenas contorna o problema. Quando, por exemplo, se indaga se o exercício militar toma corajoso um homem, as possíveis respostas sempre escorregam em torno das vantagens e das desvantagens que esse treinamento oferece, sem alcançar o verdadeiro problema: o que é a coragem. Discutem-se os meios ( o exercício militar) para atingir determinados fins (a coragem), em vez de examinar os próprios fins. O que Sócrates propõe é formular perguntas adequadas, isto é, um método de investigação que encaminhe o pensamento em direção à essência das coisas, sem desvios.
Ele, porém, nunca vai diretamente à questão “o que é...?". Primeiro ouve e apresenta objeções aos argumentos dos outros. E como se o pensamento tivesse de experimentar outras possibilidades antes de entrar na rota certa. O diálogo cumpre essa função de “experimentação". O pensamento precisa de um interlocutor, com quem possa sempre discutir. O verdadeiro conhecirnento nasce desse diálogo; não é transmissível do mestre ao aluno, mas arrancado do interior de uma discussão - um verdadeiro trabalho de parto. Sócrates, que dizia seguir a profissão da mãe, parteira, auxilia os homens a trazer à tona um conhecimento que já se encontra latente em cada um.
A pergunta "o que é...?” não é nova. Remonta aos tempos dos primeiros filósofos da Jônia. Sócrates, no entanto, transpõe essa questão, inicialmente destinada ao mundo da natureza, para o mundo dos homens e de suas ações. Em Atenas, que consolidou a democracia mas que assiste impotente à sua decadência, em que os valores políticos e morais aparecem cada vez mais conflitantes, ele indaga se existe um valor essencial a todos os homens, algo que seja a essência de todas as virtudes particulares, como a coragem, a sabedoria e a justiça.
Nesta faze do diálogo, o objetivo de Sócrates era ajudar seus discípulos a reconstruírem e conceberem suas próprias ideias. A maiêutica é a “arte de trazer à luz”.

A condenação da Ética (de Sócrates)

A Sócrates interessam o homem e suas ações, exatamente aquelas tidas como virtuosas, numa época em que ser virtuoso é quase sinônimo de cidadão e tudo se justifica em nome da virtude - até mesmo as injustiças. Ele pergunta o que é a sabedoria, a beleza, a coragem, a justiça porque procura, a partir desses diversos aspectos da virtude, chegar à questão das questões: o que é a virtude?
Conhecê-la toma-se, assim, o principal objetivo do verdadeiro conhecimento - só pratica o mal quem ignora o que seja a virtude. E quem tem o verdadeiro conhecimento só pode agir bem. Desse modo, conhecimento e virtude tornam-se sinônimos. Com Sócrates, as questões morais deixam de ser tratadas como convenções baseadas nos costumes, as quais se modificam conforme as circunstâncias e os interesses, para se tornar problemas que exigem do pensamento uma elucidação racional. Nesse sentido, ele é o fundador da Ética.
Pensar racionalmente as questões morais implica denunciar tudo aquilo que aparece como virtude, desmascarando-o na sua falsidade. Mas com isso Sócrates põe o dedo na ferida da própria Atenas, que mergulhara em vícios e na corrupção, e fingia ser justa. Os poderosos decidem condená-lo. O pretexto é o de ofender os deuses da cidade e corromper a juventude. Baseia-se, esta última acusação, no fato de Sócrates não esconder seus hábitos homossexuais (um comportamento permitido e comum na época). Procurava cercar-se sempre de rapazes jovens e belos.
“Estás enganado, se pensas que um homem de bem deve ficar pensando, ao praticar seus atos, sobre as possibilidades de vida ou de morte. O homem de valor moral deve considerar apenas, em seus atos, se eles são justos ou injustos, corajosos ou covardes”. Sócrates
A defesa que Sócrates faz de si próprio, relatada por Platão, é um libelo (exposição articulada do que se pretende provar contra um réu) contra os que o julgam. Altivo, não pede clemência. Sua morte é decretada a contragosto. Espera-se que ele fuja - as autoridades poderiam fazer vistas grossas - mas Sócrates, cidadão ateniense, acha que a lei é soberana. Despede-se serenamente dos amigos e morre tomando um cálice de cicuta, veneno extraído de uma pequena planta que crescia em pântanos nos arredores da cidade.

PLATÃO E O MUNDO DO OUTRO

Platão (c. 428-347 a.C.), o mais importante continuador da obra de Sócrates, é quem dá à filosofia a sua primeira grande sistematização. Desde as investigações dos filósofos pioneiros, sobre o princípio do mundo, ou as exigências lógicas de Parmênides e Zenão, e os impasses a respeito do movimento e da pluralidade das coisas, até as questões sobre os valores humanos (formuladas, de um lado, pelos sofistas e, de outro, por Sócrates), passando pelos rigorosos estudos matemáticos dos pitagóricos, todos esses aspectos, que constituíram os temas do pensamento ocidental, encontram-se não apenas sintetizados, mas também colocados em novos termos, por Platão.
A força dessa síntese é tal que, em pleno século XX, o filósofo inglês Alfred N. Whitehead dirá que a história da filosofia não passa de uma sucessão de notas de rodapé da obra de Platão. Ou, como afirmará o francês François Châtelet, somos todos discípulos de Platão. Exagerados ou não, esses comentários referem-se ao fato de que praticamente tudo o que a filosofia, a partir de Platão, irá tomar como tema, tem origem nele, seja para aprofundar o pensamento, seja para refutá-lo.
Para Platão, a vida de Atenas é a prova viva do que mostrava Sócrates ao denunciar, com suas perguntas, o falso saber dos homens, sobretudo no que se refere aos valores humanos. Como Platão mesmo afirma numa carta autobiográfica (Carta VII), a política ateniense, que se orgulhava de ter um governo o mais justo, degenerava de injustiça em injustiça. "A legislação e a moralidade estavam a tal ponto corrompidas que eu, antes cheio de ardor para trabalhar para o bem público, considerando essa situação e vendo que tudo rumava à deriva, acabei por ficar aturdido”, escreveu. A condenação e a morte de Sócrates em 399 a.C. resumem esse estado de coisas.
Desiludido, Platão abandona o ideal de participação política alimentado desde a juventude: “Fui então irresistivelmente levado a louvar a verdadeira filosofia e a proclamar que somente à sua luz se pode reconhecer onde está a justiça na vida pública e na vida privada”. Compra então uma propriedade (a Academos) nos arredores de Atenas e ali funda, por volta de 387 a.C., uma escola, a Academia, onde desenvolve seus estudos.
A Academia não é uma instituição escolar no sentido moderno. É antes uma espécie de irmandade, com certas conotações religiosas, em que se discute livremente a respeito de temas como matemática, música. E astronomia, além de questões propriamente filosóficas. Na entrada, um lema indica a inspiração pitagórica: "Não entre quem não saiba geometria”.

Pela dialética, a theoría

Platão faz da crise política da cidade um tema de reflexão. Procura um fundamento sólido e inabalável para a conduta humana, pois as ações não se justificam por si mesmas, nem as opiniões, ligadas a essas ações. É preciso afastar-se da vida prática dos homens, desviando o olhar para um outro lugar onde se possa encontrar a Verdade, para fazer dela matéria de contemplação (theoría): o abandono da política significa essa opção radical pela teoria.
Mas, se somente a teoria pode fornecer os critérios firmes para as ações humanas, o que assegura os critérios da própria teoria? Só há uma saída: a teoria mesma. Ela, e só ela, pode proporcionar, a cada passo, a sua justificação. Por isso, Platão é levado a desenvolver um pensamento sistemático, coerente, sem lacunas e que enfrente com seus recursos todas as dificuldades. Do problema político-moral inicial, a sua indagação vai desdobrar-se em várias direções, todas interligadas.
A possibilidade do conhecimento teórico, que se autofundamente e que proclame a sua validade unicamente pela força de suas demonstrações, é dada pelo método que Platão denomina ”dialética". Na origem, esta palavra designava a técnica da discussão, e nesse sentido é a arte cultivada e ensinada pelos sofistas. Mas, para Platão, dialética é outra coisa. Seu modelo são os Diálogos de Sócrates, cujo encadeamento preciso de raciocínios impossibilitava refutações.
Mas Sócrates produzia um saber negativo: levava seus interlocutores a saber que nada sabiam. Platão, ao contrário, quer ir além e produzir um saber positivo. Os Diálogos cumprem esse objetivo. Por meio de afirmações, e de objeções(argumento contrário) a elas, vai-se formando um consenso que não é um mero consentimento, mas uma autêntica unanimidade de pensamento, pois as conclusões a que se chega são incontestáveis e não admitem nenhuma outra solução. Desse modo, de passo em passo, o pensamento separa o que é aparente do que é essencial.

A origem das coisas

Em Timeu, Platão supõe a existência de um deus, o Demiurgo (“fabricante” ou “artesão”), que, contemplando a beleza das ideias já existentes, não pôde deixar de reproduzi-las. Tomou então do material disponível, algo como o Caos inicial da mitologia, e foi modelando, à semelhança das ideias, todos os seres do mundo. A obra é perfeita -- descontando-se a imperfeição do material empregado.
O conjunto dessa fabricação é o mundo, que no seu todo apresenta uma ordem, e que é como o ser de Parmênides: esférico (a figura mais perfeita), único, limitado e, uma vez criado, eterno. No entanto, não se trata do ser parmenideano, que não admitia o não-ser. O nada, antes impensável, muda de significado em Platão: é o Outro, algo que não são as idéias (o Mesmo), isto é, a própria matéria de que é feito o mundo. É esse Outro que faz com que o mundo seja, em seus aspectos particulares, dominado por variações, pluralidades, aparências, opiniões e injustiças.
Nesse sentido, Platão, que se retira do mundo instável da política para contemplar as ideias, não o faz por mero amor à teoria. Para ele, essa contemplação, pela qual se conhece o Bem, é condição para retornar ao universo sensível e imperfeito, a fim de moldá-lo, tal qual o Demiurgo, à imagem e semelhança das ideias. Nesse longo percurso, que vai do mundo da injustiça até o Bem e que volta ao mesmo mundo injusto _ percurso que ficou conhecido como “dialética ascendente” e “dialética descendente” _, ele teve de abranger praticamente todos os temas que mais tarde nutririam a história da filosofia.

As aparências e as Ideias

A "verdadeira filosofia”, proclamada por Platão, recusa a solução dos sofistas, para os quais a justiça e a injustiça não passam de convenções. Sócrates já havia apontado um caminho diferente: uma e outra confundem-se porque os homens não sabem verdadeiramente o que é a justiça, isto é, não conhecem a sua essência. Ao contrário, permanecem no nível das aparências, que são o modo como as coisas aparecem aos homens e o modo como estes as percebem por meio das sensações, dos sentidos. As aparências constituem assim o mundo dos sentidos, o mundo sensível, em que tudo é instável e variável, de acordo com as circunstâncias e os pontos de vista.
Nesse mundo sensível, cada um se apega a um aspecto das aparências e o transforma em sua certeza, em sua ”verdade". E, como cada um percebe o mundo de maneira diferente, as opiniões que disso resultam também são variadas e divergentes. Além disso, é comum que as opiniões ocultem interesses pessoais. Por tudo isso, a opinião (doxa) jamais pode proporcionar o verdadeiro conhecimento das essências, que é a ciência (episteme).
E possível obter esse conhecimento das essências, que ultrapassa o nível da opinião? Sim, com uma condição: a de que essas essências existam. Que elas existem é um fato, e a geometria fornece exemplos. Afinal, esta ciência trabalha com figuras perfeitas (triângulos, círculos), que se encontram no mundo sensível que nos cerca. E, mesmo fora do âmbito da geometria, percebemos, por meio dos sentidos, uma diversidade de cavalos, de diferentes tamanhos e cores, mas jamais nos enganamos sobre eles: são todos cavalos. Assim também é a justiça, em nome da qual se faz tanta controvérsia. Há algo que mesmo intuitivamente se pode reconhecer como justo. E preciso então que haja a essência das figuras geométricas, do cavalo, da justiça.
Platão denomina essas essências de eidos, palavra que pode ser traduzida por ideia ou forma. Assim, se no mundo sensível há vários cavalos diferentes, existe, por outro lado, uma única ideia de Cavalo. E, para os diferentes círculos que percebemos, há uma só ideia de Círculo. A pluralidade das coisas e as mudanças são próprias do mundo sensível, cada ideia, ao contrario, é única e imutável, existindo verdadeiramente, e não apenas no sentido ideal, tal como hoje comumente o entendemos. Assim, o mundo supra-sensível ou inteligível existe de forma anterior e mais efetiva do que o mundo sensível. É ele o verdadeiro mundo real.
Um dos aspectos mais importantes da filo­sofia de Platão é sua teoria das ideias, com a qual procura explicar como se desenvolve o co­nhecimento humano. Segundo ele, o processo de conhecimento se desenvolve por meio da passagem progressiva do mundo das sombras e aparências para o mundo das ideias e essên­cias. Vejamos: A primeira etapa desse processo é domi­nada pelas impressões ou sensações advindas dos sentidos. Essas impressões sen­síveis são responsáveis pela opinião que temos da realidade. A opinião representa o saber que se adquire sem uma busca metó­dica. O conhecimento, entretanto, para ser autêntico, deve ultrapassar a esfera das im­pressões sensoriais, o plano tia opinião, e penetrar na esfera racional da sabedoria, o mundo das ideias. Para atingir esse mundo, o homem não pode ter apenas "amor às opiniões" (filodoxía); precisa possuir um "amor ao saber" (filosofia).
A opinião nasce, portanto, da percepção da aparência e da diversidade das coisas. O conhe­cimento, por sua vez, é elaborado quando se alcança a ideia, que rompe com as aparências e a diversidade ilusória. "Assim, chegamos à conclusão de que a opinião se forma do mun­do apresentado pelos sentidos, enquanto o conhecimento é de um mundo eterno; a opinião, por exemplo, trata de coisas belas de­terminadas; o conhecimento ocu­pa-se da beleza em si".

A Verdade, plena de luz

Esses dois mundos, segundo Platão, embora separados, estão relacionados num sentido preciso: as coisas sensíveis imitam as ideias que lhes correspondem, do mesmo modo como um pintor imita em seu quadro a natureza. Como imitação, as coisas sensíveis são sempre imperfeitas, e isso explica por que o mundo sensível é variado e sempre em mutação.
Mas é também por essa relação de imitação que os homens, situados no mundo sensível, podem conhecer as ideias, como quem se lembra do modelo de que foi tirada a cópia. Conhecer é assim reconhecer, lembrar-se das ideias que foram contempladas pela alma, mas esquecidas por causa do apego do corpo às coisas sensíveis. A alma possui essa capacidade de reconhecer as idéias porque de certo modo participa do mundo inteligível: como as ideias, ela é imaterial, incorpórea e impalpável, constituindo um elo de ligação que ainda mantemos com o inteligível.
Por fim, o despertar da alma para o mundo inteligível faz-se por um sentimento, que é o amor. Inicialmente, o amor é carnal e deseja um corpo belo, mas, aos poucos, passa a desejar a própria Beleza e o conhecimento da sua ideia. E o que pode haver de mais belo para o intelecto senão a Verdade?
O amor que deseja a Verdade é a própria filosofia (literalmente, "amor ao saber”). Platão ilustra os passos desse amor que deseja conhecer por meio da célebre alegoria da caverna, que abre o Livro VII de A República.
Segundo essa alegoria, o mundo sensível é como uma caverna em que os homens se encontram acorrentados de tal modo que só podem olhar para as paredes escuras. Atrás deles há uma fogueira cuja luz projeta na parede sombras obscuras - a única realidade, para esses homens. Mas um deles consegue escapar. Fora da caverna, a intensa luz do Sol ofusca-lhe a visão. Os olhos, porém, acostumam-se à claridade e ele vê a verdadeira e bela realidade: o mundo inteligível. Maravilhado, não pode deixar de voltar à caverna, a fim de comunicar aos companheiros a sua descoberta. Mas eles não o compreendem. Riem e, depois, matam-no.
O filósofo que chega à verdadeira realidade tem uma missão: a de voltar à caverna, ao mundo sensível dos homens, mesmo que ali seja incompreendido. Afinal, viu a luz do Sol que ilumina toda a realidade; a luz que, ao possibilitar o conhecimento, proporciona também o conhecimento de como os homens devem agir. Conhecer, para Platão, é conhecer o Bem, a Idéia suprema que, como o Sol, ilumina as demais ideias, tornando-as compreensíveis.
Conhecer o Bem significa que finalmente é possível organizar a cidade não mais segundo as opiniões, mas tendo como base o verdadeiro conhecimento. Este mostra que a cidade depende de três funções: a satisfação das necessidades básicas dos habitantes, a defesa do território e, por fim, a administração. A população, por isso, deve ser dividida nessas funções, segundo a aptidão de cada um: uns serão agricultores e artesãos; outros, guerreiros e guardiães da cidade. Aqueles, por fim, que se destacarem nos diversos níveis progressivos de educação pelo verdadeiro conhecimento, devem dirigir a cidade. Por isso, diz Platão, na Carta VII: “Os males não cessarão para os homens antes que a raça dos puros e autênticos filósofos chegue ao poder”. Uma conclusão talvez drástica mas inevitável para quem foi levado à filosofia pelo desencanto com a política cega dos homens.

ARISTÓTELES DE ESTAGIRA. Do nascimento da lógica à ordenação do mundo.
“O ser se exprime de muitos modos, mas nenhum modo exprime o ser. O ser se diz em vários sentidos”. Aristóteles
De caráter mais reservado que Platão, Aristóteles foi um homem de estudo e de pesquisa. Seus discípulos do Liceu ficaram conhecidos como peripatéticos (os que passeiam), devido ao hábito de Aristóteles de ensinar ao ar livre, muitas vezes sob as árvores que cercavam a escola.
Nascido em Estagira, na Macedônia, Aristóteles (384-322 a.C.) foi um dos mais expressivos filósofos gregos- de Antigüidade, junto com Platão. Há informações de que teria escrito mais de uma centena de obras, sobre os mais variados temas, das quais restam apenas 47, embora nem todas de autenticidade comprovada. Desempenhou extraordinário papel na organização do saber grego, acrescentando-lhe sua contribuição que impactou a história do pensamento ocidental.
Filho de Nicômaco, médico do rei da Macedônia, provavelmente herdou do pai o interesse pelas ciências naturais, que se revelaria posteriormente em sua obra. Aos dezoito anos foi para Atenas e ingressou na Academia de Platão, onde permaneceu cerca de vinte anos, tendo uma atuação crescentemente expressiva. Com a morte de Platão, a destacada competência de Aristóteles o qualificava para assumir a direção da Academia. Seu nome, entretanto, foi pretendo por ser considerado estrangeiro pelos atenienses.
Decepcionado com o episódio, deixou a Academia e partiu para Assos, na Mísia, Ásia Menor, onde permaneceu até 345 a.C. Pouco tempo depois foi convidado por Felipe II, rei da Macedônia, para ser professor de seu filho Alexandre. O relacionamento de Aristóteles e Alexandre foi interrompido quando este assumiu a direção do Império Macedônico, em 340 a.C.
Por volta de 335 a.C., Aristóteles regressou a Atenas, fundando sua própria escola filosófica, que passou a ser conhecida como Liceu, em homenagem ao deus Apolo Lício. Nesse local permaneceu ensinando durante aproximadamente doze anos.
Em 323 a.C., após a morte de Alexandre, os sentimentos antimacedônicos ganharam grande intensidade em Atenas. Devido a sua notória ligação com a corte macedônica, Aristóteles passou a ser perseguido. Foi então que decidiu abandonar Atenas, dizendo querer evitar que os atenienses “pecassem duas vezes contra a filosofia” (a primeira vez teria sido com Sócrates).
Apaixonado pela biologia, dedicou inúmeros estudos à observação da natureza e à classificação dos seres vivos. Tendo em vista a elaboração de uma visão científica da realidade, desenvolveu a lógica para servir de ferramenta do raciocínio.

Da sensação ao conceito: o discípulo discorda do mestre

Segundo Aristóteles, a finalidade básica das ciências seria desvendar a constituição essencial dos seres, procurando defini-la em termos reais.
Ao abordar a realidade, reconhecia a multiplicidade dos seres percebidos pelos sentidos. Assim, tudo o que vemos, pegamos, ouvimos e sentimos é aceito como elemento da realidade sensível.
Nesse sentido, rejeitava a teoria das idéias de Platão, segundo a qual os dados transmitidos pelos sentidos não passam de distorções, sombras ou ilusões da verdadeira realidade existente no mundo das ideias. Para Aristóteles, a observação da realidade leva-nos à constatação da existência de inúmeros seres individuais, concretos, mutáveis, que são captados por nossos sentidos.
Partindo dessa realidade sensorial _ empírica _, a ciência deve buscar as estruturas essenciais de cada ser. Em outras palavras, a partir da existência do ser, devemos atingir a sua essência, através de um processo de conhecimento que caminharia do individual e específico para o universal e genérico.
Aristóteles entendia que o ser individual, concreto, único não pode ser objeto da ciência. O objeto próprio das ciências é a compreensão do universal, visando o estabelecimento de definições essenciais, que possam ser utilizadas de modo generaliza.
A indução (operação mental que vai do particular para o geral) representa, para Aristóteles, conhecimento. Ela possibilita ao ser humano atingir conclusões científicas, de âmbito universal, a partir do trabalho metódico com os dados sensíveis - que sempre apresentam seres individuais, concretos e únicos.
Assim, por exemplo, o conceito escola – ou qualquer conclusão científica sobre esse conceito - foi elaborado tendo como base a observação sistemática das diferentes instituições às quais se atribui o nome de escola. Dessa maneira, o conceito escola tem sentido universal porque reúne em si a estrutura essencial aplicável ao conjunto das múltiplas escolas concretas existentes no mundo.

Nova interpretação para as mudanças do ser

Retomando a questão do ser, Aristóteles pretendeu resolver a contradição entre o caráter estático e permanente do ser em oposição ao movimento e à transitoriedade das coisas. Era a clássica polêmica entre Heráclito e Parmênides. Para essa questão, Aristóteles propôs uma nova interpretação ontológica (isto é, relativa ao estudo do ser), segundo a qual em todo ser, devemos distinguir:
 O ato _ a manifestação atual do ser, aquilo que já existe;
A potência _ as possibilidades do ser (capacidade de ser), aquilo que ainda não é mas pode vir a ser.
Assim, conforme Aristóteles, o movimento, a transitoriedade ou mudança das coisas se resumem na passagem da potência para o ato. Exemplo: a árvore que está sem flores pode tornar-se, com o tempo, uma árvore florida. Ao adquirir flores, essa árvore manifesta em ato aquilo que já continha, intrinsecamente, em potência.
Por outro lado, utilizando ainda o exemplo da arvore, pode acontecer que, em virtude de certas condições climáticas, uma árvore frutífera não venha a dar frutos (o que contraria a sua potência de dar frutos). Ou pode ser que as folhas da árvore se apresentem queimadas ou ressecadas, em conseqüência de um clima seco. Esses casos Aristóteles classifica como um acidente, ou seja, algo que não ocorre sempre, somente às vezes, por uma casualidade qualquer (no caso, a falta de chuva ou o excesso de calor), e que não faz parte da essência da árvore.
Assim, segundo Aristóteles, devemos distinguir também em todos os seres existentes:
A substância _ aquilo que é estrutural e essencial do ser;
O acidente _ aquilo que é atributo circunstancial e não-essencial do ser.
A substância corresponde àquilo que mais intimamente o ser é em si mesmo. Os acidentes pertencem ao ser, mas não são necessários para definir a natureza própria de cada ser.

O que determina a realidade do ser: a causa

A investigação do ato e da potência do ser depende, no entanto, de alguns esclarecimentos sobre a causalidade. Isto porque essa passagem da potencia para o ato não se dá ao acaso: ela é causada.
Aristóteles emprega o termo causa em sentido bastante amplo, isto e, no sentido de tudo aquilo que determina a realidade de um ser. Distingue, assim, quatro tipos de causas fundamentais:
Causa material _ refere-se à matéria de que é feita uma coisa. Exemplo: o mármore utilizado na confecção de uma estátua;
Causa formal _ refere-se à forma, à natureza específica, à configuração de uma coisa, tornando-a “um ser propriamente dito”. Exemplo: uma estátua em forma de homem e não de cavalo;
Causa eficiente _ refere-se ao agente que produziu diretamente a coisa. Exemplo: o escultor que fez a estátua;
Causa final _ refere-se ao objetivo, à intenção, à finalidade ou à razão de ser de uma coisa. Exemplo: o escultor tinha como finalidade exaltar a figura do soldado ateniense.
Segundo Aristóteles, a causa formal está diretamente subordinada à causa final, pois a finalidade de uma coisa determina o que os seres efetivamente são. A potência, em si mesma, não é capaz de formalizar o ser em ato. Para que se dê essa passagem, é preciso a intervenção de um agente transformador (causa eficiente), guiado por uma finalidade (causa final).
Assim, segundo Aristóteles, a causa final é que comanda o movimento da realidade. É pela causa final; em última instância, que as coisas mudam, determinando a passagem da potência para o ato.

A felicidade humana

Aristóteles define o homem como ser racional e considera a atividade racional, o ato de pensar, como a essência humana. Por conseguinte, investigando a questão ética, ele diz:
 “(...) aquilo que é próprio de cada criatura lhe é naturalmente melhor e mais agradável; para o homem, a vida conforme o intelecto (a razão) é melhor e mais agradável, já que o intelecto, mais que qualquer outra parte do homem, é o homem. Esta vida, portanto, é também a mais feliz”.
ARISTOTELES. Ética a Nicômaco, (1178 a.C.), p. 203
Para ser feliz, portanto, o homem deve viver de acordo com a sua essência, isto é, de acordo com a sua razão, a sua consciência reflexiva. E, orientando os seus atos para uma conduta ética, a razão o conduzirá à prática da virtude.
Para Aristóteles, a virtude representa o meio-termo, a justa medida de equilíbrio entre o excesso e a falta de um atributo qualquer. Exemplos: a virtude da prudência é o meio-termo entre a precipitação e a negligência; a virtude da coragem é o meio-termo entre a covardia e a valentia insana; a perseverança é o meio-termo entre a fraqueza de vontade e a vontade obsessiva.

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Filosofia e sustentabilidade

Filosofia e sustentabilidade (prova interdisciplinar)
O consumo consciente
Consumir é um ato humano por excelência, que nos permite atender as necessidades vitais próprias da sobrevivência, como alimentar-se, vestir-se e ter onde morar. O consumo abrange também tudo o que estimula o crescimento humano em suas múltiplas e imprevisíveis direções e como tal nos oferece condições para nos tornarmos melhores. Pelo consumo consciente participamos como pessoas inteiras.
O consumo supõe a possibilidade de escolha autônoma, não só para estabelecer preferências como para optar por adquirir ou não determinado produto. Nesse sentido, o consumo nunca é um fim em si, mas sempre um meio para outra coisa qualquer, caso contrário, se transformar em consumismo.
As necessidades de consumo variam conforme a necessidade e cultura. O consumo oferece ao ser humano um caráter simbólico de: satisfação físicas, intelectual ou espiritual.
Consumo consciente seria reconhecer o impacto de propagandas que manipulam nossas escolhas. O consumo vem oferecendo ao ser humano sensação ilusória de ser inserido socialmente.
Para onde vamos?
Presenciamos profundas transformações no ato de consumir. São transformações rápidas que vem alterando o cenário hodierno e traz conseqüências à vida do homem.
No início do século XX, foram marcantes as iniciativas de produção em série nas linhas de montagem, isso favoreceu ao consumo de massa.
A produção globalizada na época do hiperconsumo nos obriga a rever as críticas aos antigos modelos de alienação no trabalho e no consumo. Tudo isso aumenta nossa responsabilidade, tanto no plano pessoal quanto coletivo. Principalmente ao vermos as formas de exclusão que o consumismo oferece bem como a degradação para com o Meio Ambiente.
O consumo alienado
Além disso, a produção em massa tem por corolário o consumo de massa, porque as necessidades artificialmente estimuladas, sobretudo pela publicidade, levam os indivíduos a consumir sempre mais. O consumo alienado degenera em consumismo quando se torna um fim em si e não um meio, provocando desejos nunca satisfeitos, um sempre querer mais, um poço sem fundo. A ânsia do consumo perde toda relação com as necessidades reais, o que leva as pessoas a gastar mais do que precisam e, às vezes, mais do que têm.
O comércio facilita a realização dos desejos ao possibilitar o parcelamento das compras, promover liquidações e ofertas de ocasião, estimular o uso de cartões de crédito, de compras pela internet. As mercadorias são rapidamente postas “fora de moda” porque seu design se tornou antiquado ou porque um novo produto se mostrou “indispensável”, seja televisão, geladeira, celular ou carro.
Critica à sociedade administrada
Sobre a questão da produção e do consumo, debruçaram-se inúmeros filósofos, entre os quais os pensadores da Escola de Frankfurt, movimento que surgiu na década de 1930 na Alemanha.
Para os frankfurtianos , chegamos ao impasse que nos deixa perplexos diante da técnica - apresentada de início como libertadora - e que pode se mostrar, afinal, artífice de uma ordem tecnocrática opressora. A técnica aplicada ao trabalho tem provocado a alienação do trabalhador e o esgotamento dos recursos naturais. De fato, a exaltação do progresso indiscriminado não tem respeitado o que hoje chamamos de desenvolvimento sustentável.
Ao submeter-se passivamente aos critérios de produtividade e desempenho no mundo competitivo do mercado, o indivíduo perde muito do prazer de sua atividade ao ser regido por princípios aparentemente “racionais”. Por isso, Max Horkheimer acrescenta que “a doença da razão está no fato de que ela nasceu da necessidade humana de dominar a natureza”. E mais, que “a história dos esforços humanos para subjugar a natureza é também a história da subjugação do homem pelo homem”.
O hiperconsumismo
Apesar de considerar o consumidor mais crítico, Lipovestky reconhece o poder massificante da publicidade e os malefícios do hiperconsumismo, entendido como a ilusão de que a mercadoria nos garantiria a felicidade. Ao contrário, o que nos preenche a vida é o que permite ao ser humano “inventar-se a si mesmo e inventar coisas”. O risco é deixar que o consumo se converta no sentido principal da vida das pessoas.
O sociólogo polonês Zygmunt Bauman não é tão otimista e diz que o consumismo “aposta na irracionalidade dos consumidores, e não em suas estimativas sóbrias e bem informadas”. Mesmo porque “a sociedade do consumo prospera enquanto consegue tornar perpétua a não satisfação de seus membros”. Basta observar como os objetos de desejo são facilmente descartáveis para que um novo desejo imperioso se imponha.