segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Filosofia Escolástica

ESCOLÁSTICA: Inspiração aristotélica nos caminhos de Deus

No século VIII, Carlos Magno, rei dos francos coroado imperador do ocidente em 800 pelo papa Leão III, organizou o ensino e fundou escolas ligadas às instituições católicas. Com isso, a cultura greco-romana, guardada nos mosteiros até então, voltou a ser divulgada, passando a ter uma influência mais marcante nas reflexões da época. Era o período da renascença carolíngia. Carlos Magno: o rei semi-analfabeto que fomentou a renascença carolíngia. Renascença carolíngia: refere-se ao estímulo dado à atividade cultural (letras, artes, educação), que marcou o governo de Carlos Magno. A obra realizada nessa época muito contribuiu para a preservação e a transmissão da cultura da Antigüidade Clássica.
Adotou-se nessas escolas a educação romana como modelo. Começaram a ser ensinadas matérias como gramática, retórica e dialética (o trivium) e geometria, aritmética, astronomia e música (o  quadrivium). Todas elas estavam, no entanto, submetidas à teologia.
Foi assim, no ambiente cultural dessas escolas e das primeiras universidades do século XI, que surgiu uma produção filosófico-teológica denominada escolástica (palavra derivada de escola).
A partir do século XIII, o aristotelismo penetrou de forma profunda no pensamento escolástico, marcando-o definitivamente. Isso se deveu à descoberta de muitas obras de Aristóteles, desconhecidas até então, e à tradução para o latim de algumas delas, diretamente do grego.

Os filósofos árabes

Antes da descoberta das obras de Aristóteles em grego, os europeus só conheciam uma pequena parcela de seu pensamento. E o que conheciam vinha de traduções e comentários feitos pelos filósofos árabes, como Avicena e Averróis. Foi através deles que as obras de física, metafísica e ética haviam chegado à Europa.
Os árabes entraram em contato com o pensamento aristotélico a partir do século VI, quando iniciaram uma série de guerras religiosas para difundir o islamismo. Primeiro conquistaram parte do Oriente, onde entraram em contato com a cultura grega, que influenciava essas regiões desde as conquistas de Alexandre Magno.
Depois, em 711, os árabes dominaram parte da península Ibérica e, a partir dessa região, passaram a exercer uma influência notável sobre vários setores da cultura européia, tanto na arquitetura como na literatura, nas ciências e na filosofia.
Além de cientista e filósofo, Avicena foi um grande médico. Na ilustração acima, extraída de texto do século XV, Avicena é representado entre os pais da medicina e da farmacologia.
No período escolástico, a busca de harmonização entre a fé cristã e a razão manteve-se como problema básico de especulação filosófica. Nesse contexto, a escolástica pode ser dividida em três fases:
 Primeira fase (do século IX ao fim do século XII) - caracterizada pela confiança na perfeita harmonia entre fé e razão;
Segunda fase (do século XIII ao princípio do século XIV) - caracterizada pela elaboração de grandes sistemas filosóficos, merecendo destaque as obras de Tomás de Aquino. Nessa fase, considera-se que a harmonização entre fé e razão pode ser parcialmente obtida;
Terceira fase (do século XIV até o século XVI) - decadência da escolástica, marcada por disputas que realçam as diferenças entre fé e razão.
Além de apresentar o traço fundamental da filosofia medieval, que é a referência as questões teológicas, a escolástica promoveu significativos avanços no estudo da lógica.
Um dos filósofos que mais contribuiu para o desenvolvimento dos estudos lógicos nesse período foi o romano Boécio, que, embora tenha vivido de 480 a 524, e considerado o primeiro dos escolásticos. Ele aperfeiçoou o quadrado lógico, sistema de relações entre afirmativas que fornece a base lógica para garantir a validade de certas formas elementares de raciocínio. Também foi o primeiro a introduzir a questão dos universais, problema filosófico longamente discutido por todo o período da escolástica.

A questão dos universais: o que há entre as palavras e as coisas

O método escolástico de investigação, segundo o historiador francês contemporâneo Jacques Le Goff, privilegiava o estudo da linguagem (o trivium) para depois passar para o exame das coisas (o quadrivium). Desse método surgiu a seguinte pergunta: qual a relação entre as palavras e as coisas?
Rosa, por exemplo, é o nome de uma flor. Quando a flor morre, a palavra rosa continua existindo. Nesse caso, a palavra fala de uma coisa inexistente, de uma ideia geral. Mas como isso acontece? O grande inspirador da questão foi o filósofo neoplatônico Porfírio (234-305, aproximadamente), em sua obra Isagoge:
“Não tentarei enunciar se os gêneros e as espécies existem por si mesmos ou na pura inteligência, nem, no caso de subsistirem, se são corpóreos ou incorpóreos, nem se existem separados dos objetos sensíveis ou nestes objetos, formando parte dos mesmos”.
ABELARDO. Isagoge.
Apud História do
Pensamento, v. 1, p. 161.

Esse problema filosófico gerou muitas disputas. Era a grande discussão sobre a existência ou não das ideias gerais, isto e, os chamados universais de Aristóteles. Tal discussão ficou conhecida como a questão dos universais, isto é, da relação entre as coisas e seus conceitos. Envolvia não apenas problemas lingüísticos e gnoseológicos (relativos à questão do conhecimento), mas também teológicos.
Em relação a essa questão, surgiram duas posições antagônicas: o realismo e o nominalismo.
Os adeptos do realismo sustentavam a tese de que os universais existiam de fato, ou seja, as idéias universais existiriam por si mesmas. Assim, por exemplo, a bondade, a beleza, seriam modelos ou moldes a partir dos quais se criariam as coisas boas e as coisas belas. Os termos universais seriam entidades metafísicas, essências separadas das coisas individuais.
Essa posição foi defendida, por exemplo, pelo abade beneditino e arcebispo de Cantuária (Canterbury - cidade inglesa) Santo Anselmo (1035-1109), que acreditava que as ideias universais existiriam na mente divina.
O filósofo e bispo francês Guilherme de Champeaux (1070-1121) também era realista e acreditava que entre o universo das coisas e o universo dos nomes havia uma analogia tal que quanto mais “universal” fosse o termo gramatical, maior seria o seu grau de participação na perfeição original da ideia. Assim, por exemplo, o substantivo brancura teria uma perfeição maior do que o adjetivo branco, que se refere a um ente singular. Na mesma linha de raciocínio de Platão, o universal brancura seria mais perfeito do que qualquer coisa branca existente.
Já os defensores do nominalismo sustentavam a tese de que os termos universais, tais como beleza, bondade etc., não existiriam em si mesmos, pois seriam apenas palavras sem uma existência real. Para os nominalistas, o que existe são apenas os seres singulares, e o universal não passa, portanto, de um nome, uma convenção.
Essa era a posição do filósofo francês Roscelin de Compiègne (1050-1120), autor segundo o qual só existiria a individualidade. Logo, anulam-se os termos universais. Roscelin também negava que Deus pudesse ser uno e trino ao mesmo tempo, porque, para ele, cada pessoa da trindade seria uma individualidade separada.
Entre essas duas posições contrárias, surgiu uma terceira, o realismo moderado, sustentado por Pedro Abelardo (1079-1142). Para ele, só existiriam as realidades singulares, mas seria possível buscar semelhanças entre os seres individuais, através de abstração, de tal maneira a gerar os conceitos universais. Tais conceitos não seriam, de acordo com Abelardo, nem entidades metafísicas (posição do realismo) nem palavras vazias (posição do nominalismo), e sim discursos mentais, categorias lógico-lingüísticas que fazem a mediação, a ligação entre o mundo do pensamento e o mundo do ser.
A importância da questão dos universais está não só no avanço que essa discussão possibilitou em relação à busca do conhecimento da realidade, mas também porque, através dela, se alcançou um alto nível de desenvolvimento lógico-lingüístico. Isso propiciou o fortalecimento de uma razão autônoma em relação à teologia, por volta do século XII.
Filósofo de grande prestígio, Pedro Abelardo desenvolveu a reflexão no campo da lógica e mostrou-se um humanista no campo da ética. Em relação à teologia, acreditava que era necessário "entender para crer", cultivando a razão crítica, o que suscitou ásperas polêmicas com os pensadores conservadores do seu tempo.

Santo Tomás de Aquino: a cristianização de Aristóteles

 “Se é correto que a verdade da fé cristã ultrapassa as capacidades da razão humana, nem por isso os princípios inatos naturalmente à razão podem estar em contradição com esta verdade sobrenatural.”
   Santo Tomás de Aquino

Tomás de Aquino é a figura mais destacada do pensamento cristão medieval. Justificou os princípios da doutrina cristã numa síntese filosófica que teve como base o pensamento de Aristóteles, através das traduções de Averróis, filósofo árabe.
Tomás de Aquino (1226-1274) nasceu em Nápoles, sul da Itália, e faleceu no convento Fossanuova, próximo de sua cidade natal, aos 49 anos de idade. É considerado um dos maiores filósofos da escolástica medieval.
A filosofia de Tomás de Aquino (o tomismo) parece que nasceu com objetivos claros: não contrariar a fé. De fato, sua finalidade era organizar um conjunto de argumentos para demonstrar e defender as revelações do cristianismo.
Assim, Tomás de Aquino reviveu em grande parte o pensamento aristotélico em busca de argumentos que explicassem os principais aspectos da fé cristã. Enfim, fez da filosofia de Aristóteles um instrumento a serviço da religião católica, ao mesmo tempo em que transformou essa filosofia numa síntese original.

Princípios básicos

Retomando as ideias de Aristóteles sobre o ser e o saber, Tomas de Aquino enfatizou a importância da realidade sensorial. Em relação ao processo de conhecimento dessa realidade, ressaltou uma série de princípios considerados básicos, dentre os quais se destacam:
Princípio da não-contradição - o ser é ou não é. Não existe nada que possa ser e não ser ao mesmo tempo e sob o mesmo ponto de vista;
Princípio da substância - na existência dos seres podemos distinguir a substância (a essência, propriamente dita, de uma coisa, sem a qual ela não seria aquilo que é) do acidente (a qualidade não-essencial, acessória do ser);
Princípio da causa eficiente – todos os seres que captamos pelos sentidos são seres contingentes, isto é, não possuem, em si próprios, a causa eficiente de suas existências. Portanto, para existir, o ser contingente depende de outro ser que representa a sua causa eficiente, chamado de ser necessário;
Princípio da finalidade - todo ser contingente existe em função de uma finalidade, de um objetivo, de uma “razão de ser”. Enfim, todo ser contingente possui uma causa final;
Princípio do ato e da potência – todo ser contingente possui duas dimensões: o ato e a potência. O ato representa a existência atual do ser, aquilo que está realizado e determinado. A potência representa a capacidade real do ser, aquilo que não se realizou mas pode realizar-se. É a passagem da potência para o ato que explica toda e qualquer mudança.

Distinção entre ser e essência

Apesar de esses princípios terem vindo do pensamento aristotélico, não se pode dizer que Tomas de Aquino tenha apenas adaptado a filosofia de Aristóteles ao cristianismo. O que o filósofo escolástico empreendeu foi uma sistematização da doutrina cristã que se apóia em parte na filosofia aristotélica, mas que contém muitos elementos estranhos ao aristotelismo: o conceito de criação do mundo, a noção de um deus único, a ideia de que o vir-a-ser (a passagem da potência ao ato) não e autodeterminado, mas procede de Deus.
Mais que isso, Tomás de Aquino introduziu uma distinção entre o ser e a essência, dividindo a metafísica em duas partes: a do ser em geral e a do ser pleno, que é Deus. De acordo com essa distinção, o único ser realmente pleno, no qual o ser e a essência se identificam, e Deus. Para o filósofo, Deus é ato puro. Não há o que se realizar ou se atualizar em Deus, pois ele é completo. Tomas de Aquino dirá que Deus é Ser, e o mundo tem ser. Ou seja, Deus e o Ser que existe como fundamento da realidade das outras essências que, uma vez existentes, participam de seu Ser.
Isso equivale a dizer que, nas outras criaturas, o ser e diferente da essência, pois as criaturas são seres não-necessários. É Deus que permite às essências realizarem-se em entes, em seres existentes.

As provas da existência de Deus

Outro aspecto importante da filosofia tomista são as provas da existência de Deus. Em um de seus mais famosos livros, a Suma teológica, Tomás de Aquino propõe cinco provas da existência de Deus:
A Suma teológica consta de três partes: a primeira trata de Deus; a segunda discorre sobre o movimento das pessoas em direção a Deus; e a terceira, não concluída devido à morte do filósofo, está dedicada a Cristo como salvador da humanidade.
1. o primeiro motor _ tudo aquilo que se move e movido por outro ser. Por sua vez, este outro ser, para que se mova, necessita também que seja movido por outro ser. E assim sucessivamente. Se não houvesse um primeiro ser movente, cairíamos num processo indefinido. Logo, conclui Tomás de Aquino, é necessário chegar a um primeiro ser movente que não seja movido por nenhum outro. Esse ser é Deus.
2. a causa eficiente _ todas as coisas existentes no mundo não possuem em si próprias a causa eficiente de suas existências. Devem ser consideradas efeitos de alguma causa. Tomás de Aquino afirma ser impossível remontar indefinidamente à procura das causas eficientes. Logo, é necessário admitir a existência de uma primeira causa eficiente, responsável pela sucessão de efeitos. Essa causa primeira é Deus.
3. ser necessário e ser contingente - este argumento é uma variante do segundo. Afirma que todo ser contingente, do mesmo modo que existe, pode deixar de existir. Ora, se todas as coisas que existem podem deixar de ser, então, alguma vez, nada existiu. Mas, se assim fosse, também agora nada existiria, pois aquilo que não existe somente começa a existir em função de algo que já existia. É preciso admitir, então, que há um ser que sempre existiu, um ser absolutamente necessário, que não tenha fora de si a causa da sua existência, mas, ao contrário, que seja a causa da necessidade de todos os seres contingentes. Esse ser necessário é Deus.
4. os graus de perfeição _ em relação à qualidade de todas as coisas existentes, pode-se afirmar a existência de graus diversos de perfeição. Assim, afirmamos que tal coisa é melhor que outra, ou mais bela, ou mais poderosa, ou mais verdadeira etc. Ora, se uma coisa possui “mais” ou “menos” determinada qualidade positiva, isso supõe que deve existir um ser com o máximo dessa qualidade, no nível da perfeição. Devemos admitir, então, que existe um ser com o máximo de bondade, de beleza, de poder, de verdade, sendo, portanto, um ser máximo e pleno. Esse ser é Deus.
5. a finalidade do ser _ todas as coisas brutas, que não possuem inteligência própria, existem na natureza cumprindo uma função, um objetivo, uma finalidade, semelhante à flecha dirigida pelo arqueiro. Devemos admitir, então, que existe algum ser inteligente que dirige todas as coisas da natureza para que cumpram seu objetivo. Esse ser é Deus.


O mérito de Tomás de Aquino

Proclamado pela Igreja Católica como o Doutor Angélico e o Doutor por Excelência, Tomás de Aquino é reverenciado nos meios católicos pelos filósofos e professores de filosofia. É o caso do filósofo católico Jacques Maritain (1882-1973), que assim enaltece a contribuição de Tomás de Aquino:
“Não só transportou para o domínio do pensamento cristão a filosofia de Aristóteles na sua integridade, para fazer dela o instrumento de uma síntese teológica admirável, como também e ao mesmo tempo superelevou e, por assim dizer, transfigurou essa filosofia. Purificou-a de todo vestígio de erro (...) sistematizou-a poderosa e harmoniosamente, aprofundando-lhe os princípios, destacando as conclusões, alargando os horizontes, e se nada cortou, muito acrescentou, enriquecendo-a com o imenso tesouro da tradição latina e cristã”.
                                                                                                MARITAIN, Jacques.
                                                                                Introdução gera à filosofia, p. 65.

Já filósofos não-cristãos, como o britânico Bertrand Russell (1872-1970), questionam os méritos de Tomás de Aquino, considerando-os insuficientes para justificar sua imensa reputação. Diz Russell:
“Há pouco do verdadeiro espírito filosófico em Aquino (...) Não está empenhado numa pesquisa cujo resultado não possa ser conhecido de antemão. Antes de começar a filosofar, ele já conhece a verdade; está declarada na fé católica. Se, aparentemente, consegue encontrar argumentos racionais para algumas partes da fé, tanto melhor; se não, basta-lhe voltar de novo à revelação. A descoberta de argumentos para uma conclusão dada de antemão não é filosofia, mas uma alegação especial. Não posso, portanto, admitir que mereça ser colocado no mesmo nível que os melhores filósofos da Grécia ou dos tempos modernos.”
                                                                                        RUSSELL, Bertrand. História da
                                                                    filosofia ocidental, v. 2, p. 174.

Em que pese essa discordância de opiniões sobre os méritos de Tomás de Aquino, e praticamente unânime o reconhecimento de que sua obra filosófica representou o apogeu do pensamento medieval católico. Posteriormente a esse período, o tomismo seria progressivamente questionado pelos movimentos filosóficos que se desenvolveriam na Renascença e na Idade Moderna.

A escolástica pós-tomista

“Os artigos de fé não são princípios de demonstração nem conclusões, não sendo nem mesmo prováveis, já que parecem falsos para todos, para a maioria ou para os sábios, entendendo por sábios aqueles que se entregam à razão natural, já que só de tal modo se entende o sábio na ciência e na filosofia”.
Guilherme de Ockham

Grandes acontecimentos históricos marcaram a Europa nos séculos XIII e XIV Entre eles, estão: a Guerra dos Cem Anos, entre a França e a Inglaterra; a epidemia da peste bubônica, que matou cerca de três quartos da população européia; o cisma definitivo entre as Igrejas do Ocidente e do Oriente, que, entre outros fatores, diminuiu a influência da Igreja Católica Romana sobre o poder temporal (o Estado) e sobre a população; a criação de novas universidades, que iniciam o desenvolvimento de questões relativas as ciências naturais e a autonomia da filosofia em relação à teologia. Esses são alguns dos fatores que levarão ao questionamento do pensamento escolástico bem como ao fim da Idade Media.
Entre os filósofos significativos desse período, destacam-se:
São Boaventura (1240- 1284) –iniciou uma reação contra a filosofia tomista e buscou recuperar a tradição platônica agostiniana. Mais tarde essa reação seria desenvolvida pelos filósofos e teólogos franciscanos, sobretudo na Universidade de Oxford, Inglaterra.
São Boaventura no Concílio de Lyon. Ficou conhecido como Doutor Seráfico. Temia que a filosofia suplantasse a teologia e que a razão se tornasse mais importante que a revelação.
Roberto Grosseteste (1168-1243) e Roger Bacon (1214-1292) - iniciaram uma investigação experimental no campo das ciências naturais que abriu caminho para a ciência moderna.
Guilherme de Ockham (1280-1349) proclamou uma distinção absoluta entre fé e razão. Para Ockham, a filosofia não seria serva da teologia, e a teologia não poderia sequer ser considerada ciência, pois seria tão-somente um corpo de proposições mantidas não pela coerência racional, mas pela força da fé.  Pensador empirista e nominalista, Ockham combateu a metafísica tradicional e iniciou o método da pesquisa científica moderna. Seu pensamento destacou-se porque apreendeu as transformações de seu tempo: a ruptura entre a Igreja e os nascentes Estados nacionais; a perda da concepção unitária da sociedade humana, que passou a se dividir cada vez mais entre o poder temporal e o poder espiritual; a ruptura entre fé e razão, ocasionada pelo nascente desenvolvimento da razão autônoma, que buscou através da investigação empírica o conhecimento dos fenômenos naturais.

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Filosofias Helenísticas e Medieval

Filosofias Helenísticas e Medieval

Filosofias Helenísticas
A busca da felicidade interior

Com a conquista da Grécia pelos macedônicos (322 a. C.), tem início o chamado período helenístico. Devido à expansão militar do Império Macedônico, efetuada por Alexandre Magno, o período helenístico caracterizou-se por um processo de interação entre a cultura grega clássica e a cultura dos povos orientais conquistados.
Alexandre Magno (o Grande, como ficou conhecido) foi um grande guerreiro e estrategista militar. Era macedônio como seu mestre, Aristóteles. Em dez anos conquistou um dos maiores impérios de toda a Antigüidade.
Na história da filosofia, a produção filosófica do período helenístico corresponde basicamente à continuação das atividades das escolas platônica (Academia) e aristotélica (Liceu), dirigidas, respectivamente, pelos discípulos dos dois grandes mestres, Platão e Aristóteles.
Há, porém, uma transformação em relação ao passado nesse período. Os valores gregos mesclam-se com as mais diversas tradições culturais. A antiga liberdade do cidadão grego, exercida na autonomia de suas cidades, e desfigurada pelo domínio macedônico.

Da vida pública à vida privada

Com o declínio da participação do cidadão nos destinos da cidade, a reflexão política também se enfraqueceu. Substitui-se, assim, a vida pública pela vida privada como centro de reflexões filosóficas. As preocupações coletivas cedem lugar às preocupações individuais.
As principais correntes filosóficas desse período vão tratar da intimidade, da vida interior do homem. Formulam-se, então, diversos modelos de conduta, “artes de viver”, “filosofias de vida”. Parece que a principal preocupação dos filósofos e proporcionar aos indivíduos desorientados e inseguros com a vida social alguma forma de paz de espírito; isto é, alguma forma de felicidade interior em meio às atribulações da época. Um dos principais filósofos desse período, Epicuro, aconselha que as pessoas se afastassem dos perigos e intranquilidade da vida política e buscassem a felicidade em sua vida privada. “Viva oculto”, era um de seus mandamentos.
Entre as novas tendências desse período, devemos registrar correntes filosóficas como: o epicurismo, o estoicismo, o pirronismo e o cinismo.

Epicurismo

O epicurismo, fundado por Epicuro (324-271 a.C.), propunha que o ser humano deve buscar o prazer pois, segundo ele, o prazer é o princípio e o fim de uma vida feliz. No entanto, distinguia, dois grandes grupos de prazeres. No primeiro grupo estavam os prazeres mais duradouros, que encantam o espírito como, por exemplo: a boa conversação, a contemplação das artes, a audição da música etc. No segundo grupo estavam os prazeres mais imediatos, muitos dos quais movidos pela explosão das paixões e que, ao final, poderiam resultar em dor e sofrimento. Mas para desfrutarmos os grandes prazeres do intelecto precisamos aprender a dominar os prazeres exagerados da paixão: os medos, os apegos, a cobiça, a inveja. Os epicuristas buscavam a ataraxia, termo grego usado para designar o estado de ausência da dor, quietude, serenidade e imperturbabilidade da alma.
O epicurismo muitas vezes é confundido com um tipo de hedonismo marcado pela procura desenfreada dos prazeres mundanos. No entanto, o que o epicurismo defende é uma administração racional e equilibrada do prazer, evitando ceder aos desejos insaciáveis que, inevitavelmente, terminam no sofrimento.
Epicuro identificou o medo da morte como uma das mais principais fontes de todos os medos. Para combater este medo, desenvolveu um argumento interessante:
“Acostuma-te à idéia de que a morte para nós não é nada, visto que todo bem e todo mal residem nas sensações, e a morte é justamente a privação das sensações. A consciência clara de que a morte não significa nada para nós proporciona a fruição da vida efêmera, sem querer acrescentar-lhe tempo infinito e eliminando o desejo de imortalidade.
Não existe nada de terrível na vida para quem está perfeitamente convencido de que não há nada de terrível em deixar de viver. É tolo portanto quem diz ter medo da morte, não porque a chegada desta lhe trará sofrimento, mas porque o aflige a própria espera: aquilo que nos perturba quando presente não deveria afligir-nos enquanto está sendo esperado.
Então, o mais terrível de todos os males, a morte, não significa nada para nós, justamente porque, quando estamos vivos, é a morte que não está presente; ao contrário, quando a morte está presente, nós é que não estamos”.
EPICURO. Carta sobre a felicidade (a Meneceu), p. 27 e 28 (Citação completa: Carta sobre a felicidade (a Meneceu).
Tradução e apresentação de Álvaro Lorencini e Enzo Del Carratore.
São Paulo, Editora UNESP, 2002.

Estoicismo

O estoicismo é a corrente filosófica de maior influência em seu tempo. Foi fundada por Zenão de Cicio (336-263 a.C.), localidade da ilha de Chipre. Este Zenão não deve ser confundido com Zenão de Eléia.
Os representantes desta escola, conhecidos como estóicos, defendiam que toda realidade existente é uma realidade racional. Todos os seres, os homens e a natureza, fazem parte desta realidade. O que chamamos de Deus nada mais é do que a fonte dos princípios que regem a realidade. Integrados à natureza, não existe para o ser humano nenhum outro lugar para ir ou fugir, além do próprio mundo em que vivemos. Somos deste mundo e, ao morrer, nos dissolvemos neste mundo.
Não dispomos de poderes para alterar, substancialmente, a ordem universal do mundo. Mas pela filosofia podemos compreender esta ordem universal e viver segundo ela. Assim, em vez do prazer dos epicuristas, Zenão propõe o dever da compreensão como o melhor caminho para a felicidade. Ser livre é viver segundo nossa própria natureza que, por sua vez, integra a natureza do mundo.
No plano ético, os estóicos defendiam uma atitude de austeridade física e moral, baseadas em virtudes como a resistência ante o sofrimento, a coragem ante o perigo, a indiferença ante as riquezas materiais. O ideal perseguido era um estado de plena serenidade para lidar com os sobressaltos da existência, fundado na aceitação e compreensão dos “princípios universais” que regem toda a vida.

Pirronismo

O pirronismo, de Pirro de Élida (365-275 a.C.) - segundo suas teorias, nenhum conhecimento é seguro, tudo é incerto. O pirronismo defendia que se deve contentar com as aparências das coisas, desfrutar o imediato captado pelos sentidos e viver feliz e em paz, em vez de se lançar à busca de uma verdade plena, pois seria impossível ao homem saber se as coisas são efetivamente como aparecem. Assim, o pirronismo é considerado uma forma de ceticismo, pois professa a impossibilidade do conhecimento, da obtenção da verdade absoluta.

Cinismo

O cinismo vem do grego kynos, que significa “cão”; cínico, do grego kynicos, significa “como um cão”. O termo cinismo designa a corrente dos filósofos que se propuseram a viver como os cães da cidade, sem qualquer propriedade ou conforto. Levavam ao extremo a filosofia de Sócrates, segundo a qual o homem deve procurar conhecer a si mesmo e desprezar todos os bens materiais. Por isso Diógenes, o pensador mais destacado dessa escola, é conhecido como o “Sócrates demente”, ou o “Sócrates louco”, pois questionava os valores e as convenções sociais e procurava viver estritamente conforme os princípios que considerava moralmente corretos.
Vivendo numa época em que as conquistas de Alexandre promovem o helenismo, mesclando culturas e populações, Diógenes também não tem apreço pela diferença entre grego e estrangeiro. Quando lhe perguntaram qual era sua cidadania, respondeu: sou cosmopolita, palavra grega que significa “cidadão do mundo”.
Há muitas histórias de sabedoria e humor sobre Diógenes. Conta-se, por exemplo, que ele morava num barril e que, certa vez, Alexandre Magno decidiu visitá-lo. De pé em frente de sua “casa”, Alexandre perguntou se havia algo que ele, como Imperador, poderia fazer em benefício do filósofo. Diógenes respondeu prontamente: sim, podes sair da frente do meu sol. Diz a lenda que Alexandre, impressionado com o desprezo do filósofo pelos bens materiais, comentou: se eu não fosse Alexandre, queria ser Diógenes. O artigo do quadro desenvolve reflexões atuais a partir de outra história de Diógenes.

O barril e a esmola

Zombavam de Diógenes. Além de morar num barril, volta e meia era visto pedindo esmolas às estátuas. Cegas por serem estátuas, eram duplamente cegas porque não tinham olhos - uma das características da estatuária grega. (...).
Perguntaram a Diógenes por que pedia esmola às estátuas inanimadas, de olhos vazios. Ele respondia que estava se habituando à recusa. Pedindo a quem não o via nem o sentia, ele nem ficava aborrecido pelo fato de não ser atendido.
É mais ou menos uma imagem que pode ser usada para definir as relações entre a sociedade e o poder, Tal como as estátuas gregas, o poder tem os olhos vazados, só olha para dentro de si mesmo, de seus interesses de continuidade e de mais poder.
A sociedade, em linhas gerais, não chega a morar num barril. Uma pequena minoria mora em coisa mais substancial. A maioria mora em espaços um pouco maiores do que um barril. E há gente que nem consegue um barril para morar, fica mesmo embaixo da ponte ou por cima das calçadas.
Morando em coisa melhor, igual ou pior do que um barril, a sociedade tem necessidade de pedir não exatamente esmolas ao poder, mas medidas de segurança, emprego, saúde e educação. Dispõe de vários canais para isso, mas, na etapa final, todos se resumem numa estátua fria, de olhos que nem estão fechados: estão vazios. (...)
CARLOS HEITOR CONY.
Folha de S. Paulo. 5 jan. 2000.

Representação de Diógenes no barril onde morava. Desprezando as convenções e as hierarquias da sociedade, enalteceu o que para ele era o maior de todos os prazeres: a liberdade.

PERÍODO GRECO-ROMANO
A Filosofia pagã e a penetração do cristianismo

A O último período da filosofia antiga, conhecido como greco-romano, corresponde, em termos históricos, à fase de expansão militar de Roma (desde as Guerras Púnicas, iniciadas em 264 a.C., até a decadência do Império Romano, em fins do século V da era cristã). Trata-se de um período longo em anos, mas pouco notável no que diz respeito à originalidade das ideias filosóficas.
Os principais pensadores desse período, como Sêneca, Cícero, Plotino, Plutarco, dedicaram-se muito mais à tarefa de assimilar e desenvolver as contribuições culturais herdadas principalmente da Grécia clássica do que de criar novos caminhos para a filosofia.
A progressiva penetração do cristianismo no decadente Império Romano é uma das características fundamentais desse período. A difusão e a consolidação do cristianismo, através da Igreja Católica, atuaram no sentido de dissolver a força da filosofia grega clássica, que passou a ser qualificada de pagã (própria dos povos não-cristãos).

O pensamento Cristão: a patrística e a escolástica

“Quem não se ilumina com o esplendor de todas as coisas criadas, é cego.
Quem não desperta com tantos clamores, é surdo.
Quem, com todas essas coisas, não se põe a louvar a Deus, é mudo.
Quem, a partir de indícios tão evidentes, não volta a mente para o primeiro princípio, é tolo”.
São Boaventura

IGREJA CATÓLICA
Filosofia medieval e cristianismo

Ao longo do século V d. C., o Império Romano do Ocidente sofreu ataques constantes dos “povos bárbaros”. Do confronto desses povos invasores com os romanos desenvolveu-se uma nova estruturação da vida social européia, que corresponde ao período medieval.
Em meio ao esfacelamento do Império Romano, decorrente, em grande parte, das invasões germânicas, a Igreja Católica conseguiu manter-se como instituição social. Consolidou sua organização religiosa e difundiu o cristianismo, preservando, também, muitos elementos da cultura greco-romana.
Apoiada em sua crescente influência religiosa, a Igreja passou a exercer importante papel político na sociedade medieval. Desempenhou, às vezes, a função de órgão supranacional, conciliador das elites dominantes, contornando os problemas das rivalidades internas da nobreza feudal. Conquistou, também, vasta riqueza material: tomou-se dona de aproximadamente um terço das áreas cultiváveis da Europa ocidental, numa época em que a terra era a principal base da riqueza.

Conflitos e conciliação entre fé e razão

Tomai cuidado para que ninguém vos escravize por vãs e enganadoras especulações da “filosofia", segundo a tradição dos homens, segundo os elementos do mundo, e não segundo Cristo.
São Paulo
Como instituição mais rica e influente da Idade Média, a Igreja Católica - ou figuras poderosas do clero - financiou e inspirou grande parte da arte e da produção cultural desse período.
No plano cultural, a Igreja exerceu ampla influência, traçando um quadro intelectual em que a fé cristã se tornou o pressuposto (isto é, o antecedente necessário) de toda vida espiritual.
Em que consistia essa fé?
Consistia na crença irrestrita ou na adesão incondicional às verdades reveladas por Deus aos homens. Verdades expressas nas Sagradas Escrituras (Bíblia) e interpretadas segundo a autoridade da Igreja.
De acordo com a doutrina católica, a fé representava a fonte mais elevada das verdades reveladas _ especialmente aquelas verdades consideradas essenciais ao homem e que dizem respeito à sua salvação. Nesse sentido, afirmava Santo Ambrósio (340-397, aproximadamente): “Toda verdade, dita por quem quer que seja, é do Espírito Santo”.
Isso significava que toda investigação filosófica ou cientifica não poderia, de modo algum, contrariar as verdades estabelecidas pela fé católica. Em outras palavras, os filósofos não precisavam mais se dedicar à busca da verdade, pois ela já teria sido revelada por Deus aos homens. Restava-lhes, apenas, demonstrar racionalmente as verdades da fé.
Não foram poucos, porém, aqueles que dispensaram até mesmo essa comprovação racional da fé. Foi o caso de religiosos que desprezavam a filosofia grega, sobretudo porque viam nessa forma pagã de pensamento uma porta aberta para o pecado, a dúvida, o descaminho e a heresia. Heresia: qualquer ato, palavra ou doutrina contrário ao que foi estabelecido pela Igreja, em termos de fé. Na sua origem grega, heresia significava escolha, uma preferência por uma doutrina. Herege era a pessoa que escolheu uma determinada heresia.
Por outro lado, surgiram pensadores cristãos que defenderam o conhecimento da filosofia grega, percebendo a possibilidade de utilizá-la como instrumento a serviço do cristianismo. Conciliado com a fé cristã, o estudo da filosofia grega permitiria à Igreja enfrentar os descrentes e derrotar os hereges com as armas racionais da argumentação lógica. O objetivo era convencer os descrentes, tanto quanto possível, pela razão, para depois fazê-los aceitar a imensidão dos mistérios divinos, somente acessíveis à fé.
Nesse contexto, a filosofia medieval pode ser dividida em quatro momentos principais:
O dos padres apostólicos, do início do  cristianismo (séculos I e II), entre os quais se incluem os apóstolos, que disseminavam a palavra de Cristo, sobretudo em relação a temas morais. Entre estes se destaca a figura de São Paulo pelo volume e valor literário de suas epístolas (cartas escritas pelos apóstolos);
O dos padres apologistas (séculos III e IV), que faziam a apologia do cristianismo contra a filosofia pagã. Entre os apologistas destacam-se Orígenes, Justino e Tertuliano, este o mais intransigente na defesa da fé contra a filosofia grega;
O da patrística (de meados do século IV ao século VIII), no qual se busca uma conciliação entre a razão e a fé e se destacam a figura de Santo Agostinho e a influência da filosofia platônica;
O da escolástica (do século IX a XVI), no qual se buscou uma sistematização da filosofia cristã, sobretudo a partir da interpretação da filosofia de Aristóteles, e se destaca a figura de Santo Tomás de Aquino.
A característica fundamental dessa filosofia medieval é a ênfase nas questões teológicas, destacando-se temas como: o dogma da Trindade, a encarnação de Deus-filho, a liberdade e a salvação, a relação entre fé e razão.
Destacaremos, neste livro, os dois momentos mais importantes da filosofia medieval – a patrística e a escolástica.

Patrística. Matriz platônica nos argumentos da fé

No processo de desenvolvimento do cristianismo, tornou-se necessário explicar seus preceitos as autoridades romanas e ao povo em geral. A Igreja Católica sabia que esses preceitos não podiam simplesmente ser impostos pela força. Tinham de ser apresentados de maneira convincente, mediante um trabalho de pregação e conquista espiritual.
Foi assim que os primeiros padres da Igreja se empenharam na elaboração de diversos textos sobre a fé e a revelação cristãs. O conjunto desses textos ficou conhecido como patrística, por terem sido escritos principalmente por esses  grandes padres da Igreja.
Padres da Igreja: denominação dada aos primeiros pensadores e escritores da Igreja Católica, especialmente aqueles que viveram entre os séculos IV e VIII. A palavra padre tem aqui o sentido de “pai” pois foram eles que formularam os primeiros conceitos da fé e tradição católica.
Uma das principais correntes da filosofia patrística, inspirada na filosofia greco-romana, tentou munir a fé de argumentos racionais, ou seja, buscou a conciliação entre o cristianismo e o pensamento pagão. Seu principal expoente foi Agostinho, posteriormente consagrado santo pela Igreja Católica.

Santa Agostinho: o pecado é o afastamento de Deus

Compreender para crer, crer para compreender.
Santo Agostinho
Aureliano Agostinho (354-430) nasceu em Tagaste, província romana situada na África, e faleceu em Hipona, hoje localizada na Argélia. Nessa última cidade ocupou o cargo de bispo da Igreja Católica.
Até completar 32 anos, no entanto, Agostinho não era cristão. Havia tido até então uma vida voltada aos prazeres do mundo e, de uma ligação amorosa ilícita para a época, nascera-lhe o filho Adeodato. Havia sido também professor de Retórica em escolas romanas.
Em sua formação intelectual, Agostinho despertou primeiramente para a Filosofia com a leitura de Cícero. Cícero (106-43 a.C.): orador e político romano que se inspirou no ecletismo - a busca de um acordo entre os ensinamentos das escolas platônica, aristotélica, hedonista etc. Posteriormente, deixou-se influenciar pelo maniqueísmo, doutrina persa que afirmava ser o universo dominado por dois grandes princípios opostos, o bem e o mal, mantendo uma incessante luta entre si.
Mais tarde, já insatisfeito com o maniqueísmo, viajou para Roma e Milão, entrando em contato com o ceticismo e, depois, como neoplatonismo, movimento filosófico do período greco-romano, desenvolvido por pensadores inspirados em Platão, que se espalhou por diversas cidades do Império Romano, sendo marcado por sentimentos religiosos e crenças místicas.
Cresceu e se aprofundou, então, em Agostinho uma grande crise existencial, uma inquietação quase desesperada em busca de sentido para a vida. Foi nesse período crítico que ele se encontrou com Santo Ambrósio, bispo de Milão, sentindo-se extremamente atraído por suas pregações. Pouco tempo depois, converteu-se ao cristianismo, tornando-se seu grande defensor pelo resto da vida.
A superioridade da alma sobre o corpo

Em sua obra, Agostinho argumenta em favor da superioridade da alma humana, isto é, a supremacia do espírito sobre o corpo, a matéria. Para ele, a alma teria sido criada por Deus para reinar sobre o corpo, para dirigi-lo à pratica do bem.
O homem pecador, entretanto, utilizando-se do livre-arbítrio, costumaria inverter essa relação, fazendo o corpo assumir o governo da alma. Provocaria, com isso, a submissão do espírito à matéria, o que seria, para ele, equivalente à subordinação do eterno ao transitório, da essência à aparência.
A verdadeira liberdade estaria na harmonia das ações humanas com a vontade de Deus. Ser livre é servir a Deus, diz Agostinho, pois o prazer de pecar e a escravidão.

Boas obras ou graça divina?

Segundo o filósofo, o homem que trilha a via do pecado só consegue retornar aos caminhos de Deus e da salvação mediante a combinação de seu esforço pessoal de vontade e a concessão, imprescindível, da graça divina. Sem a graça de Deus, o homem nada pode conseguir. Mas nem todas as pessoas deverão receber essa graça, mas somente os predestinados à salvação. De acordo com a doutrina da graça de Agostinho, a salvação não dependeria das boas ações dos indivíduos, mas da boa vontade de Deus para definir seus eleitos.
A questão da graça, tal como colocada pelo filósofo, marcou profundamente o pensamento medieval cristão. E a doutrina da predestinação à salvação foi, posteriormente, adotada por alguns ramos da teologia protestante ( Reforma Protestante). Na mesma época de Agostinho, outro teólogo, Pelágio, afirmava que a boa vontade e as boas obras humanas seriam suficientes para a salvação individual. Era a doutrina do pelagianismo.
Agostinho colocou-se contra essa doutrina e, no concílio de Cartago do ano de 417, o papa Zózimo condenou o pelagianismo como heresia e adotou a concepção agostiniana de necessidade da graça divina, doada livremente por Deus aos seus eleitos.
A condenação do pelagianismo se explica pelo fato de que conservava a noção grega de autonomia da vida moral humana, isto é, a noção de que o homem pode salvar-se por si só, sendo bom e fazendo boas obras, sem a necessidade da ajuda divina. Essa noção se chocava com a ideia de submissão total do homem ao Deus cristão, defendida pela Igreja. “O fato de assim a Igreja ter se pronunciado por tal doutrina assinalou o fim da ética pagã e de toda a filosofia helênica”.
Uma conseqüência disso é a forma como se passa a enfatizar a subjetividade, a individualidade. Enquanto na filosofia grega o indivíduo se identificava com o cidadão (isto é, o homem social, político), a filosofia cristã agostiniana enfatiza no indivíduo sua vinculação pessoal com Deus, a responsabilidade de cada indivíduo pelos seus atos e exalta a salvação individual.

Liberdade humana e pecado

Outro aspecto fundamental da filosofia agostiniana e o entendimento de que a vontade é uma força que determina a vida e não uma função específica ligada ao intelecto, tal como diziam os gregos. Agostinho contrapõe-se, dessa forma, ao intelectualismo moral, que teve sua expressão máxima em Sócrates.
Isso significa que, de acordo com Agostinho, a liberdade humana e própria da vontade e não da razão. E é nisso que reside à fonte do pecado. O indivíduo peca porque usa de seu livre-arbítrio para satisfazer uma vontade má, mesmo sabendo que tal atitude é pecaminosa. Nas palavras de Agostinho, vejamos as causas mais comuns do pecado:
 “O ouro, a prata, os corpos belos e todas as coisas são dotadas dum certo atrativo. O prazer de conveniência que se sente no contato da carne influi vivamente. Cada um dos outros sentidos encontra nos corpos uma modalidade que lhes corresponde. Do mesmo modo a honra temporal e o poder de mandar e dominar encerram também um brilho, donde igualmente nasce a avidez e a vingança. (...) A vida neste mundo seduz por causa duma certa medida de beleza que lhe é própria, e da harmonia que tem com todas as formosuras terrenas.
Por todos estes motivos e outros semelhantes, comete-se o pecado, porque, pela propensão imoderada para os bens inferiores, embora sejam bons, se abandonam outros melhores e mais elevados, ou seja, a Vós, meu Deus, à vossa verdade e à vossa lei.”
 Santo Agostinho. Confissões, p. 53 (Citação
V completa para o final do livro: São Paulo,
Abril Cultural, 1984 - Os Pensadores)
Por isso, Agostinho afirma que o homem não pode ser autônomo em sua vida moral, isto é, deliberar livremente sobre sua conduta. No entanto, como o que conduz seus atos é a vontade e não a razão, o homem pode querer o mal e praticar o pecado, motivo pelo qual ele necessita da graça divina para salvar-se.

Precedência da fé sobre a razão

Agostinho também discutiu a diferença existente entre fé cristã e razão, afirmando que a fé nos faz crer em coisas que nem sempre entendemos pela razão: “creio tudo o que entendo, mas nem tudo que creio também entendo. Tudo o que compreendo conheço, mas nem tudo que creio conheço”. SANTO AGOSTINHO. De magistro, p. 319.
Baseando-se no profeta bíblico Isaias, dizia ser necessário crer para compreender, pois a fé ilumina os caminhos da razão, e que a compreensão nos confirma a crença posteriormente. Isso significa que, para Agostinho, a fé revela verdades ao homem de forma direta e intuitiva. Vem depois a razão esclarecendo aquilo que a fé já antecipou.

A herança do helenismo

O pensamento agostiniano (de Agostinho) reflete, em grande medida, os principais passos de sua trajetória intelectual anterior à conversão ao catolicismo, que teve a influencia do helenismo. Vejamos alguns elementos:
 Do maniqueísmo ficou uma concepção dualista no âmbito moral, simbolizada pela .luta entre o bem e o mal, a luz e as trevas, a alma e o corpo. Nesse sentido, dizia que o homem tem uma inclinação natural para o mal, para os vícios, para o pecado. Insistia em que já nascemos pecadores (pecado original) e somente um esforço consciente pode nos fazer superar essa deficiência “natural”. Considerando o mal como o afastamento de Deus, defendia a necessidade de uma intensa educação religiosa, tendo como finalidade reduzir essa distância.
Do ceticismo ficou a permanente desconfiança nos dados dos sentidos, isto é, no conhecimento sensorial, conhecimento que nos apresenta uma multidão de seres mutáveis, flutuantes e transitórios.
Do platonismo, Agostinho assimilou a concepção de que a verdade, como conhecimento eterno, deveria ser buscada intelectualmente no “mundo das idéias”. Por isso defendeu a via do autoconhecimento, o caminho da interioridade, como instrumento legítimo para a busca da verdade. Assim, somente o íntimo de nossa alma, iluminada por Deus, poderia atingir a verdade das coisas. Da mesma forma que os olhos do corpo necessitam da luz do sol para enxergar os objetos do mundo sensível, os “olhos da alma” necessitam da luz divina para visualizar as verdades eternas da sabedoria.

terça-feira, 14 de junho de 2011

Os pré-socráticos e a Grécia Clássica.

Pré-socráticos e a Grécia Clássica
Os primeiros filósofos gregos

De acordo com a tradição histórica, a fase inaugural da filosofia grega é conhecida como período pré-socrático, isto é, anterior a Sócrates, filósofo que estudaremos no próximo capítulo.
O período pré-socrático abrange o conjunto das reflexões filosóficas desenvolvidas desde Tales de Mileto (623-546 a.C.) até o aparecimento de Sócrates (468-399 a.C.).
Os pensadores de Mileto: a busca da substância primordial

Quando afirmamos que a filosofia nasceu na Grécia, devemos tornar essa afirmação mais precisa. Afinal, nunca houve, na Antigüidade, um Estado grego unificado. O que chamamos de Grécia nada mais é que o conjunto de muitas cidades-Estado gregas (pólis), independentes umas das outras, e muitas vezes rivais.
No vasto mundo grego, a filosofia teve como berço a cidade de Mileto, situada na Jônia, litoral ocidental da Ásia Menor. Caracterizada por  múltiplas influências culturais e por rico comércio, a cidade de Mileto abrigou os três primeiros pensadores da história ocidental a quem atribuímos a denominação filósofos. São eles: Tales Anaximandro e Anaxímenes.
Destacam-se, entre os objetivos desses primeiros filósofos, a construção de uma cosmologia (explicação racional e sistemática das características do universo) que substituísse a antiga cosmogonia (explicação sobre a origem do universo baseada nos mitos).
Por isso, tentaram descobrir, com base na razão e não na mitologia, o princípio substancial ou substância primordial (arché, em grego) existente em todos os seres materiais. Isto é, pretendiam encontrar a “matéria-prima” de que são feitas todas as coisas.

Tales de Mileto

“Tudo é água”. Tales de Mileto.
Tales (623-546 a. C., aproximadamente) costuma ser considerado o primeiro pensador grego, “o pai da filosofia”. Na condição de filósofo, buscou a construção do pensamento racional em diversos campos do conhecimento que, hoje, não são considerados especialidades filosóficas. Foi astrônomo e chegou  a prever  o eclipse total do Sol ocorrido em 28 de maio de 585 a.C. Na área da geometria demonstrou, por exemplo, que todos os ângulos inscritos no meio círculo são retos e que em todo triângulo a soma de seus ângulos internos é igual a 18O°.
Inspirando-se provavelmente em concepções egípcias, acrescidas de suas próprias observações da vida animal e vegetal, concluiu que a água é a substância primordial, a origem única de todas as coisas. Para ele, somente a água permanece basicamente a mesma, em todas as transformações dos corpos, apesar de assumir diferentes estados ( sólido, líquido e gasoso).

Anaximandro de Mileto

“Nem água nem algum dos elementos, mas alguma substância diferente, ilimitada, e que dela nascem os céus e os mundos neles contidos”. Anaximandro.
Anaximandro (610-547 a. C) procurou aprofundar as concepções de Tales sobre a origem única de todas as coisas. Em meio a tantos elementos observáveis no mundo natural- a água, o fogo, o ar etc. -, ele acreditava não ser possível eleger uma única substância material como o princípio primordial de todos os seres, a arché.
Para Anaximandro, esse princípio é algo que transcende os limites do observável, ou seja, não se situa numa realidade ao alcance dos sentidos. Por isso, denominou-o ápeiron, termo grego que significa “o infinito”. O ápeiron seria a “massa geradora” dos seres, contendo em si todos os elementos contrários.

Anaxímenes de Mileto

“E assim como nossa alma, que é ar, nos mantém unidos, da mesma maneira o vento envolve todo o mundo”. Anaxímenes.
Anaxímenes (588-524 a. C.) admitia que a origem de todas as coisas é indeterminada. Entretanto, recusava-se a atribuir-lhe o caráter oculto de elemento situado fora dos limites da observação e da experiência sensível.
Tentando uma possível conciliação entre as concepções de Tales e as de Anaximandro, concluiu ser o ar o principio de todas as coisas. Isso porque o ar representa um elemento “invisível e imponderável, quase inobservável e, no entanto, observável: o ar é a própria vida, a força vital, a que “anima” o mundo, aquilo que dá testemunho à respiração.

Pitágoras de Samos: o culto da matemática

“Todas as coisas são números”. Pitágoras.
Pitágoras (570-490 a.C., aproximadamente) nasceu na ilha de Samos, na costa Jônica, não distante de Mileto. Por volta de 530 a.C., sofreu perseguição política por causa de suas ideias, sendo obrigado a deixar sua terra de origem. Instalou-se, então, em Crotona, sul da Itália, região conhecida como Magna Grécia.
Em Crotona, fundou uma poderosa sociedade de caráter filosófico e religioso e de acentuada ligação com as questões políticas. Depois de exercer, por longos anos, considerável influência política na região, a sociedade pitagórica foi dispersada por opositores, e o próprio Pitágoras foi expulso de Crotona.
Para Pitágoras, a essência de todas as coisas reside nos números, os quais representam a ordem e a harmonia. Segundo o historiador de filosofia norte-americano Thomas Giles, “pela primeira vez se introduzia um aspecto mais formal (que considera as relações existentes entre os termos de uma operação do entendimento, independentemente da matéria ou conteúdo dessa operação) na explicação da realidade, isto é, a ordem e a constância”. Assim, a essência dos seres, a arché, teria uma estrutura matemática da qual derivariam problemas como: finito e infinito, par e ímpar, unidade e multiplicidade, reta e curva, círculo e quadrado, etc.
Pitágoras dizia que no “fundo de todas as coisas” a diferença entre os seres consiste, essencialmente, em uma questão de números (limite e ordem das coisas).
As contribuições da escola pitagórica podem ser encontradas nos campos da matemática (lembre-se do célebre teorema de Pitágoras), da música e da astronomia. A essas contribuições junta-se uma série de crenças místicas relativas à imortalidade da alma, à reencarnação dos pecadores, à prescrição de rígidas condutas morais, etc.

Heráclito de Éfeso: o movimento perpétuo do mundo

“Tudo flui, nada persiste, nem permanece o mesmo. O ser não é mais que o vir-a-ser”. Heráclito
Nascido em Éfeso, cidade da região jônica, Heráclito é considerado um dos mais importantes filósofos pré-socráticos. A data de seu nascimento e a de sua morte não são conhecidas. Há referências históricas de que, por volta do ano 500 a.C., estava em plena “flor da idade”.
Heráclito é considerado o primeiro grande representante do pensamento dialético. Concebia a realidade do mundo como algo dinâmico, em permanente transformação. Daí sua escola filosófica ser chamada de mobilista (de movimento). Para ele, a vida era um fluxo constante, impulsionado pela luta de forças contrárias: a ordem e a desordem, o bem e o mal, o belo e o feio, a construção e a destruição, a justiça e a injustiça, o racional e o irracional, a alegria e a tristeza, etc. Assim, afirmava que “a luta (guerra) é a mãe, rainha e princípio de todas as coisas”. É pela luta das forças opostas que o mundo se modifica e evolui.
Atribuem-se a Heráclito frases marcantes, de sentido simbólico, utilizadas para ilustrar sua concepção sobre o fluxo e a movimentação das coisas, o constante vir-a-ser, a eterna mudança, também chamada devir:
Não podemos entrar duas vezes no mesmo rio, pois suas águas se renovam a cada instante. Não tocamos duas vezes o mesmo ser, pois este modifica continuamente sua condição.
Assim, Heráclito imaginava a realidade dinâmica do mundo sob a forma de fogo, com chamas vivas e eternas, governando o constante movimento dos seres.

Os pensadores eleáticos: Reflexões sobre o ser e o conhecer

As diversas cosmologias que acabamos de estudar despertaram, na época, uma nova questão. Por que tanta divergência? Por que tantas opiniões contrárias?
Heráclito de Éfeso, como vimos, acreditava que a luta dos contrários formava a unidade do mundo. Já para os pensadores da cidade de Eléia, a partir de seu principal expoente, Parmênides, os contrários jamais poderiam coexistir. Os dois pensadores representam, portanto, pólos extremos do pensamento filosófico.
Foi a partir dessa discussão sobre os contrários, sobre o ser e o não-ser, que se iniciaram a lógica (os estudos sobre o conhecer) e a ontologia (os estudos sobre o ser) e suas relações recíprocas, conforme veremos a seguir.

Parmênides de Eléia

“O ente é; pois é ser e nada não é”. Parmênides
Nascido em Eléia, na Magna Grécia, litoral oeste da península Itálica, Parmênides (510-470 a. C.), aproximadamente) tornou-se celebre por ter feito oposição a Heráclito. Platão o chamava de Grande Parmênides.
Parmênides defendia a existência de dois caminhos para a compreensão da realidade. O primeiro é o da filosofia, da razão, da essência. O segundo e o da crendice, da opinião pessoal, da aparência enganosa, que ele considerava a “via de Heráclito”.
Segundo Parmênides, o caminho da essência nos leva a concluir que na realidade:
a) existe o ser, e não é concebível sua não-existência;
b) o ser e; o não-ser não é.
Em vista disso, Parmênides é considerado o primeiro filósofo a formular os princípios lógicos de identidade e de não-contradição, desenvolvidos depois por Aristóteles.
Ao refletir sobre o ser, pela via da essência, o filósofo eleático concluiu que o ser é eterno, único, imóvel e ilimitado. Essa seria a via da verdade pura, a via a ser buscada pela ciência e pela filosofia. Por outro lado, quando a realidade é pensada pelo caminho da aparência, tudo se confunde em função do movimento, da pluralidade e do devir (vir-a-ser).
Assim, na concepção de Parmênides, Heráclito teria percorrido o caminho das aparências ilusórias. Essa via precisava ser evitada para não termos de concluir que “o ser e o não-ser são e não são a mesma coisa”. Parmênides teria descoberto, assim, os atributos do ser puro: o ser ideal do plano lógico. E negou-se a reconhecer como verdadeiros os testemunhos ilusórios dos sentidos e a constatar a existência do ser-no-mundo: o ser que se exprime de diversos modos, os seres múltiplos e mutáveis.
Mas o filósofo sabia que é no mundo da ilusão, das aparências e das sensações que os homens vivem seu cotidiano. Então, “o mundo da ilusão não é uma ilusão de mundo”, mas uma manifestação da realidade que cabe à razão interpretar, explicar e compreender, até que alcance a essência dessa realidade. Não podemos confiar nas aparências, nas incoerências, na visão enganadora. Pela razão, devemos buscar a essência, a coerência e a verdade. “O esforço de toda sabedoria e, pois, para Parmênides, sistematizar isso, tornar pensável o caos, introduzir uma ordem nele.”
Para Parmênides, o mundo sensível é feito apenas de aparências e ilusões, inaugurando a escola eleática de pensamento, que centraria sua discussão no confronto entre o conhecimento racional e o sensível.

Empédocles de Agrigento: a unidade de tudo aquilo que se ama

“Pois destes (os elementos) todos se constituíram harmonizados, e por estes é que pensam, sentem prazer e dor”. Empédocles
Nascido em Agrigento (ou Acragas), sul da Sicília, Empédocles (490-430 a.C., aproximadamente) esforçou-se por conciliar as concepções de Parmênides e Heráclito. Aceitava de Parmênides a racionalidade que afirma a existência e permanência do ser (“o ser é”), mas procurava encontrar uma maneira de tornar racional os dados captados por nossos sentidos.
Defendia a existência de quatro elementos primordiais, que constituem as raízes de todas as coisas percebidas: o fogo, a terra, a água e o ar. Esses elementos são movidos e misturados de diferentes maneiras em função de dois princípios universais opostos:
Amor (philia, em grego) _ responsável pela força de atração e união e pelo movimento de crescente harmonização das coisas;
Ódio (neikos, em grego) _ responsável pela força de repulsão e desagregação e pelo movimento de decadência, dissolução e separação das coisas.
Para ele, todas as coisas existentes na realidade estão submetidas às forças cíclicas desses dois princípios.

Demócrito de Abdera: o átomo e a diversidade

“O homem, um microcosmo”. Demócrito
Nascido em Abdera, cidade situada no litoral entre a Macedônia e a Trácia, Demócrito (460-370 a.C., aproximadamente) foi discípulo de Leucipo (de Mileto é considerado o fundador da escola atomista) e um pensador brilhante. “Só a tradição impõe o título de pré-socrático a este pensador importante, nascido e morto depois de Sócrates.”
Responsável pelo desenvolvimento do atomismo, Demócrito afirmava que todas as coisas que formam a realidade são constituídas por partículas invisíveis e indivisíveis. Essas partículas foram chamadas átomos, termo grego que significa “não-divisível” (a = negação; tomo= divisível).
Para ele, o átomo seria o equivalente ao “conceito de ser” em Parmênides. Além dos átomos, existiria no mundo real o vácuo, que representaria a ausência de ser (o não-ser). Devido à existência do vácuo, o movimento do ser torna-se possível. O movimento dos átomos permite infinita diversidade de composições. Demócrito distinguia três fatores básicos para explicar as diferentes composições dos átomos:
Figura _ a forma geométrica de cada átomo. Exemplo: forma de A # forma de B;
Ordem _ a seqüência espacial dos átomos de mesma figura. Exemplo: AB # BA;
Posição _ a localização espacial dos átomos. Exemplo: a # a.
Para Demócrito, é o acaso ou a necessidade que promove a aglomeração de certos átomos e a repulsão de outros. O acaso é o encadeamento imprevisível de causas. A necessidade é o encadeamento previsível e determinado entre causas. As infinitas possibilidades de aglomeração dos átomos explicam a infinita variedade de coisas existentes.
A principal contribuição trazida pelo atomismo de Demócrito à história do pensamento é a concepção mecanicista, segundo a qual “tudo o que existe no universo nasce do acaso ou da necessidade”. Isto e, “nada nasce do nada, nada retorna ao nada”. Tudo tem uma causa. E os átomos são a causa última do mundo.

SOFISTAS: Os mestres da argumentação

Na Grécia Antiga, o período pré-socrático foi dominado, em grande parte, pela 'investigação da natureza. Essa investigação tinha, como vimos, um sentido cosmológico. Consistia na busca de explicações racionais para o universo manifestando-se na procura de um princípio primordial (a arché) de todas as coisas existentes. Seguiu-se a esse período uma nova fase filosófica, caracterizada pelo interesse no próprio homem e nas relações políticas do homem com a sociedade. Essa nova fase foi marcada, no início, pelos sofistas.
Os sofistas eram professores viajantes que, por determinado preço, vendiam ensinamentos práticos de filosofia. Levando em consideração os interesses dos alunos, davam aulas de eloqüência e de sagacidade mental. Ensinavam conhecimentos úteis para o sucesso “nos negócios públicos e privados.
O momento histórico vivido pelo mundo grego favoreceu o desenvolvimento desse tipo de atividade praticada pelos sofistas. Era uma época de lutas políticas e intenso conflito de opiniões nas assembléias democráticas. Por isso, os cidadãos  mais ambiciosos sentiam necessidade de aprender a arte de argumentar em público para conseguir persuadir em assembléias e, muitas vezes, fazer prevalecer seus interesses individuais e de classe.
As lições dos sofistas tinham como objetivo, portanto, o desenvolvimento da argumentação, da habilidade retórica, do conhecimento de doutrinas divergentes. Eles transmitiam, enfim, todo um jogo de palavras, raciocínios e concepções que seria utilizado na arte de convencer as pessoas, driblando as teses dos adversários.
Essas características dos ensinamentos dos sofistas favoreceram o surgimento de concepções filosóficas relativistas sobre as coisas. Conforme vimos anteriormente, para o relativismo, não há uma verdade única, absoluta. Tudo seria relativo ao indivíduo, ao momento histórico, a um conjunto de fatores e circunstâncias de uma sociedade.

Nem heróis nem vilões

Etimologicamente, o termo sofista significa “sábio”. Entretanto, com o decorrer do tempo, ganhou o sentido de “impostor”, devido, sobretudo, às críticas de Platão, cujo pensamento estudaremos mais adiante.
Desde então se considerou a sofística, isto e, a arte dos sofistas, apenas uma atitude viciosa do espírito, uma arte de manipular raciocínios, de produzir o falso, de iludir os ouvintes, sem qualquer amor pela verdade.
A verdade, em grego, se diz aletheia e significa a manifestação daquilo que é, o não-oculto. Aletheia se opõe a pseudos que significa o falso, aquilo que se esconde, que ilude. Os sofistas parecem não buscar a aletheia; se contentam com pseudos. Tanto assim, que se usa a palavra sofisma, derivada de sofista, para designar um raciocínio aparentemente correto, mas que na verdade é falso ou inconclusivo, geralmente formulado com o objetivo de enganar alguém.
Entretanto, abordagens mais recentes sobre a atuação dos sofistas procuram mostrar que o relativismo de suas teses fundamenta-se numa concepção flexível sobre os homens, a sociedade e a compreensão do real. Para os sofistas, as opiniões humanas são infindáveis, diversas e não podem ser reduzidas a uma única verdade. Assim, não existiriam valores ou verdades absolutas.
É importante destacar, porém, que não existe uma doutrina sofística única. O que há são alguns pontos comuns entre as concepções de certos sofistas, como Protágoras, Górgias e outros, o que permitiu que fossem considerados como um conjunto ou corrente.

Protágoras de Abdera: o homem como medida

 “O homem é a medida de todas as coisas; daquelas que são, enquanto são; e daquelas que não são, enquanto não são”. Protágoras
O "homem é a medida de todas as coisas". A frase de Protágoras tem sido reinterpretada segundo a tradição democrática contemporânea: o conhecimento do mundo é uma criação humana; portanto se constitui mediante o uso de nossa capacidade de perceber e entender as coisas, que varia de pessoa para pessoa, e de formar consensos. O primeiro dia (1794) - William Blake
Nascido em Abdera, cidade litorânea entre a Macedônia e a Trácia, Protágoras (480-410 a.C.) é considerado o primeiro e um dos mais importantes sofistas. Ensinou por muito tempo em Atenas, tendo como principio básico de sua doutrina a ideia de que o homem é a medida de tudo o que existe.
Conforme essa concepção, todas as coisas são relativas às disposições do homem, isto e, o mundo e o que o homem constrói e destrói. Por isso não haveria verdades absolutas. A verdade seria relativa a determinada pessoa, grupo social ou cultura.
A filosofia de Protágoras sofreu críticas em seu tempo por dar margem a um grande subjetivismo: tal coisa é verdadeira se para mim parece verdadeira. Assim, qualquer tese poderia ser encarada como falsa ou verdadeira, dependendo da Ótica de cada um.
Górgias de Leontini: o grande orador

“O bom orador é capaz de convencer qualquer pessoa sobre qualquer coisa”. Górgias
Górgias de Leontini (487-380 a.C., aproximadamente), considerado um dos grandes oradores da Grécia, aprofundou o subjetivismo relativista de Protágoras a ponto de defender o ceticismo absoluto. Afirmava que:
a) nada existia;
b) se existisse, não poderia ser conhecido;
c) mesmo que fosse conhecido, não poderia ser comunicado a ninguém.

Sócrates de Atenas (469-399 a. C.)
O poder das perguntas decisivas

“Ele supõe saber alguma coisa e não sabe, enquanto eu, se não sei, tampouco suponho saber. Parece que sou um pouco mais sábio que ele exatamente por não supor que saiba o que não sei”. Sócrates

“Só sei que nada sei” (ironia)

Filho de um escultor e de uma parteira, Sócrates nasce em Atenas. Figura muito conhecida na cidade, talvez já fosse reconhecido como “sábio” quando contava cerca de 40 anos. O próprio Sócrates, na versão apresentada por Platão, situa o início da sua atividade intelectual nessa fase já madura, quando teria recebido sua ”missão".
Essa missão origina-se numa consulta que seu amigo Querefonte faz aos deuses do santuário de Delfos, para saber se havia um homem mais sábio do que Sócrates. A resposta é negativa. Intrigado, pois não se julgava sábio, Sócrates resolve investigar. Conversa com um político, por todos considerado sábio, e chega à conclusão de que este apenas passava por conhecedor de todas as coisas. Diz o filósofo, nas palavras transcritas por seu discípulo Platão: "Mais sábio do que esse homem eu sou; é bem provável que nenhum de nós saiba nada de bom, mas ele supõe saber alguma coisa e não sabe, enquanto eu, se não sei, tampouco suponho saber. Parece que sou um nadinha mais sábio do que ele exatamente por não supor que saiba o que não sei". Não contente, Sócrates prossegue buscando alguém mais sábio, acreditando estar assim a serviço dos deuses. Mas o resultado é sempre o mesmo. Todos falam como se fossem sábios e, mesmo quando conhecem algo, extrapolam seus conhecimentos para assuntos dos quais não têm nenhuma noção.
A ironia socrática tinha um caráter purificador porque levava os discípulos a confessarem suas próprias contradições e ignorâncias, onde antes só julgavam possuir certezas e clarividências.
Nesta fase do diálogo, a intenção fundamental de Sócrates não era propriamente destruir o conteúdo das respostas dadas pelos interlocutores, mas fazê-los tomar consciência profunda de suas próprias respostas, das conseqüências que poderiam ser tiradas de suas reflexões, muitas vezes repletas de conceitos vagos e imprecisos.

Em busca da essência (maiêutica)

Sócrates simplesmente pergunta. Não ensina; quer aprender. Seu pensamento parece desprovido de conteúdo. Mas, se não há ensinamentos, ele propõe algo. Destruindo as respostas fáceis dos interlocutores, mostra que o pensamento deve ser mais prudente. Se as respostas saem fáceis é porque a pergunta foi mal formulada, e apenas contorna o problema. Quando, por exemplo, se indaga se o exercício militar toma corajoso um homem, as possíveis respostas sempre escorregam em torno das vantagens e das desvantagens que esse treinamento oferece, sem alcançar o verdadeiro problema: o que é a coragem. Discutem-se os meios ( o exercício militar) para atingir determinados fins (a coragem), em vez de examinar os próprios fins. O que Sócrates propõe é formular perguntas adequadas, isto é, um método de investigação que encaminhe o pensamento em direção à essência das coisas, sem desvios.
Ele, porém, nunca vai diretamente à questão “o que é...?". Primeiro ouve e apresenta objeções aos argumentos dos outros. E como se o pensamento tivesse de experimentar outras possibilidades antes de entrar na rota certa. O diálogo cumpre essa função de “experimentação". O pensamento precisa de um interlocutor, com quem possa sempre discutir. O verdadeiro conhecirnento nasce desse diálogo; não é transmissível do mestre ao aluno, mas arrancado do interior de uma discussão - um verdadeiro trabalho de parto. Sócrates, que dizia seguir a profissão da mãe, parteira, auxilia os homens a trazer à tona um conhecimento que já se encontra latente em cada um.
A pergunta "o que é...?” não é nova. Remonta aos tempos dos primeiros filósofos da Jônia. Sócrates, no entanto, transpõe essa questão, inicialmente destinada ao mundo da natureza, para o mundo dos homens e de suas ações. Em Atenas, que consolidou a democracia mas que assiste impotente à sua decadência, em que os valores políticos e morais aparecem cada vez mais conflitantes, ele indaga se existe um valor essencial a todos os homens, algo que seja a essência de todas as virtudes particulares, como a coragem, a sabedoria e a justiça.
Nesta faze do diálogo, o objetivo de Sócrates era ajudar seus discípulos a reconstruírem e conceberem suas próprias ideias. A maiêutica é a “arte de trazer à luz”.

A condenação da Ética (de Sócrates)

A Sócrates interessam o homem e suas ações, exatamente aquelas tidas como virtuosas, numa época em que ser virtuoso é quase sinônimo de cidadão e tudo se justifica em nome da virtude - até mesmo as injustiças. Ele pergunta o que é a sabedoria, a beleza, a coragem, a justiça porque procura, a partir desses diversos aspectos da virtude, chegar à questão das questões: o que é a virtude?
Conhecê-la toma-se, assim, o principal objetivo do verdadeiro conhecimento - só pratica o mal quem ignora o que seja a virtude. E quem tem o verdadeiro conhecimento só pode agir bem. Desse modo, conhecimento e virtude tornam-se sinônimos. Com Sócrates, as questões morais deixam de ser tratadas como convenções baseadas nos costumes, as quais se modificam conforme as circunstâncias e os interesses, para se tornar problemas que exigem do pensamento uma elucidação racional. Nesse sentido, ele é o fundador da Ética.
Pensar racionalmente as questões morais implica denunciar tudo aquilo que aparece como virtude, desmascarando-o na sua falsidade. Mas com isso Sócrates põe o dedo na ferida da própria Atenas, que mergulhara em vícios e na corrupção, e fingia ser justa. Os poderosos decidem condená-lo. O pretexto é o de ofender os deuses da cidade e corromper a juventude. Baseia-se, esta última acusação, no fato de Sócrates não esconder seus hábitos homossexuais (um comportamento permitido e comum na época). Procurava cercar-se sempre de rapazes jovens e belos.
“Estás enganado, se pensas que um homem de bem deve ficar pensando, ao praticar seus atos, sobre as possibilidades de vida ou de morte. O homem de valor moral deve considerar apenas, em seus atos, se eles são justos ou injustos, corajosos ou covardes”. Sócrates
A defesa que Sócrates faz de si próprio, relatada por Platão, é um libelo (exposição articulada do que se pretende provar contra um réu) contra os que o julgam. Altivo, não pede clemência. Sua morte é decretada a contragosto. Espera-se que ele fuja - as autoridades poderiam fazer vistas grossas - mas Sócrates, cidadão ateniense, acha que a lei é soberana. Despede-se serenamente dos amigos e morre tomando um cálice de cicuta, veneno extraído de uma pequena planta que crescia em pântanos nos arredores da cidade.

PLATÃO E O MUNDO DO OUTRO

Platão (c. 428-347 a.C.), o mais importante continuador da obra de Sócrates, é quem dá à filosofia a sua primeira grande sistematização. Desde as investigações dos filósofos pioneiros, sobre o princípio do mundo, ou as exigências lógicas de Parmênides e Zenão, e os impasses a respeito do movimento e da pluralidade das coisas, até as questões sobre os valores humanos (formuladas, de um lado, pelos sofistas e, de outro, por Sócrates), passando pelos rigorosos estudos matemáticos dos pitagóricos, todos esses aspectos, que constituíram os temas do pensamento ocidental, encontram-se não apenas sintetizados, mas também colocados em novos termos, por Platão.
A força dessa síntese é tal que, em pleno século XX, o filósofo inglês Alfred N. Whitehead dirá que a história da filosofia não passa de uma sucessão de notas de rodapé da obra de Platão. Ou, como afirmará o francês François Châtelet, somos todos discípulos de Platão. Exagerados ou não, esses comentários referem-se ao fato de que praticamente tudo o que a filosofia, a partir de Platão, irá tomar como tema, tem origem nele, seja para aprofundar o pensamento, seja para refutá-lo.
Para Platão, a vida de Atenas é a prova viva do que mostrava Sócrates ao denunciar, com suas perguntas, o falso saber dos homens, sobretudo no que se refere aos valores humanos. Como Platão mesmo afirma numa carta autobiográfica (Carta VII), a política ateniense, que se orgulhava de ter um governo o mais justo, degenerava de injustiça em injustiça. "A legislação e a moralidade estavam a tal ponto corrompidas que eu, antes cheio de ardor para trabalhar para o bem público, considerando essa situação e vendo que tudo rumava à deriva, acabei por ficar aturdido”, escreveu. A condenação e a morte de Sócrates em 399 a.C. resumem esse estado de coisas.
Desiludido, Platão abandona o ideal de participação política alimentado desde a juventude: “Fui então irresistivelmente levado a louvar a verdadeira filosofia e a proclamar que somente à sua luz se pode reconhecer onde está a justiça na vida pública e na vida privada”. Compra então uma propriedade (a Academos) nos arredores de Atenas e ali funda, por volta de 387 a.C., uma escola, a Academia, onde desenvolve seus estudos.
A Academia não é uma instituição escolar no sentido moderno. É antes uma espécie de irmandade, com certas conotações religiosas, em que se discute livremente a respeito de temas como matemática, música. E astronomia, além de questões propriamente filosóficas. Na entrada, um lema indica a inspiração pitagórica: "Não entre quem não saiba geometria”.

Pela dialética, a theoría

Platão faz da crise política da cidade um tema de reflexão. Procura um fundamento sólido e inabalável para a conduta humana, pois as ações não se justificam por si mesmas, nem as opiniões, ligadas a essas ações. É preciso afastar-se da vida prática dos homens, desviando o olhar para um outro lugar onde se possa encontrar a Verdade, para fazer dela matéria de contemplação (theoría): o abandono da política significa essa opção radical pela teoria.
Mas, se somente a teoria pode fornecer os critérios firmes para as ações humanas, o que assegura os critérios da própria teoria? Só há uma saída: a teoria mesma. Ela, e só ela, pode proporcionar, a cada passo, a sua justificação. Por isso, Platão é levado a desenvolver um pensamento sistemático, coerente, sem lacunas e que enfrente com seus recursos todas as dificuldades. Do problema político-moral inicial, a sua indagação vai desdobrar-se em várias direções, todas interligadas.
A possibilidade do conhecimento teórico, que se autofundamente e que proclame a sua validade unicamente pela força de suas demonstrações, é dada pelo método que Platão denomina ”dialética". Na origem, esta palavra designava a técnica da discussão, e nesse sentido é a arte cultivada e ensinada pelos sofistas. Mas, para Platão, dialética é outra coisa. Seu modelo são os Diálogos de Sócrates, cujo encadeamento preciso de raciocínios impossibilitava refutações.
Mas Sócrates produzia um saber negativo: levava seus interlocutores a saber que nada sabiam. Platão, ao contrário, quer ir além e produzir um saber positivo. Os Diálogos cumprem esse objetivo. Por meio de afirmações, e de objeções(argumento contrário) a elas, vai-se formando um consenso que não é um mero consentimento, mas uma autêntica unanimidade de pensamento, pois as conclusões a que se chega são incontestáveis e não admitem nenhuma outra solução. Desse modo, de passo em passo, o pensamento separa o que é aparente do que é essencial.

A origem das coisas

Em Timeu, Platão supõe a existência de um deus, o Demiurgo (“fabricante” ou “artesão”), que, contemplando a beleza das ideias já existentes, não pôde deixar de reproduzi-las. Tomou então do material disponível, algo como o Caos inicial da mitologia, e foi modelando, à semelhança das ideias, todos os seres do mundo. A obra é perfeita -- descontando-se a imperfeição do material empregado.
O conjunto dessa fabricação é o mundo, que no seu todo apresenta uma ordem, e que é como o ser de Parmênides: esférico (a figura mais perfeita), único, limitado e, uma vez criado, eterno. No entanto, não se trata do ser parmenideano, que não admitia o não-ser. O nada, antes impensável, muda de significado em Platão: é o Outro, algo que não são as idéias (o Mesmo), isto é, a própria matéria de que é feito o mundo. É esse Outro que faz com que o mundo seja, em seus aspectos particulares, dominado por variações, pluralidades, aparências, opiniões e injustiças.
Nesse sentido, Platão, que se retira do mundo instável da política para contemplar as ideias, não o faz por mero amor à teoria. Para ele, essa contemplação, pela qual se conhece o Bem, é condição para retornar ao universo sensível e imperfeito, a fim de moldá-lo, tal qual o Demiurgo, à imagem e semelhança das ideias. Nesse longo percurso, que vai do mundo da injustiça até o Bem e que volta ao mesmo mundo injusto _ percurso que ficou conhecido como “dialética ascendente” e “dialética descendente” _, ele teve de abranger praticamente todos os temas que mais tarde nutririam a história da filosofia.

As aparências e as Ideias

A "verdadeira filosofia”, proclamada por Platão, recusa a solução dos sofistas, para os quais a justiça e a injustiça não passam de convenções. Sócrates já havia apontado um caminho diferente: uma e outra confundem-se porque os homens não sabem verdadeiramente o que é a justiça, isto é, não conhecem a sua essência. Ao contrário, permanecem no nível das aparências, que são o modo como as coisas aparecem aos homens e o modo como estes as percebem por meio das sensações, dos sentidos. As aparências constituem assim o mundo dos sentidos, o mundo sensível, em que tudo é instável e variável, de acordo com as circunstâncias e os pontos de vista.
Nesse mundo sensível, cada um se apega a um aspecto das aparências e o transforma em sua certeza, em sua ”verdade". E, como cada um percebe o mundo de maneira diferente, as opiniões que disso resultam também são variadas e divergentes. Além disso, é comum que as opiniões ocultem interesses pessoais. Por tudo isso, a opinião (doxa) jamais pode proporcionar o verdadeiro conhecimento das essências, que é a ciência (episteme).
E possível obter esse conhecimento das essências, que ultrapassa o nível da opinião? Sim, com uma condição: a de que essas essências existam. Que elas existem é um fato, e a geometria fornece exemplos. Afinal, esta ciência trabalha com figuras perfeitas (triângulos, círculos), que se encontram no mundo sensível que nos cerca. E, mesmo fora do âmbito da geometria, percebemos, por meio dos sentidos, uma diversidade de cavalos, de diferentes tamanhos e cores, mas jamais nos enganamos sobre eles: são todos cavalos. Assim também é a justiça, em nome da qual se faz tanta controvérsia. Há algo que mesmo intuitivamente se pode reconhecer como justo. E preciso então que haja a essência das figuras geométricas, do cavalo, da justiça.
Platão denomina essas essências de eidos, palavra que pode ser traduzida por ideia ou forma. Assim, se no mundo sensível há vários cavalos diferentes, existe, por outro lado, uma única ideia de Cavalo. E, para os diferentes círculos que percebemos, há uma só ideia de Círculo. A pluralidade das coisas e as mudanças são próprias do mundo sensível, cada ideia, ao contrario, é única e imutável, existindo verdadeiramente, e não apenas no sentido ideal, tal como hoje comumente o entendemos. Assim, o mundo supra-sensível ou inteligível existe de forma anterior e mais efetiva do que o mundo sensível. É ele o verdadeiro mundo real.
Um dos aspectos mais importantes da filo­sofia de Platão é sua teoria das ideias, com a qual procura explicar como se desenvolve o co­nhecimento humano. Segundo ele, o processo de conhecimento se desenvolve por meio da passagem progressiva do mundo das sombras e aparências para o mundo das ideias e essên­cias. Vejamos: A primeira etapa desse processo é domi­nada pelas impressões ou sensações advindas dos sentidos. Essas impressões sen­síveis são responsáveis pela opinião que temos da realidade. A opinião representa o saber que se adquire sem uma busca metó­dica. O conhecimento, entretanto, para ser autêntico, deve ultrapassar a esfera das im­pressões sensoriais, o plano tia opinião, e penetrar na esfera racional da sabedoria, o mundo das ideias. Para atingir esse mundo, o homem não pode ter apenas "amor às opiniões" (filodoxía); precisa possuir um "amor ao saber" (filosofia).
A opinião nasce, portanto, da percepção da aparência e da diversidade das coisas. O conhe­cimento, por sua vez, é elaborado quando se alcança a ideia, que rompe com as aparências e a diversidade ilusória. "Assim, chegamos à conclusão de que a opinião se forma do mun­do apresentado pelos sentidos, enquanto o conhecimento é de um mundo eterno; a opinião, por exemplo, trata de coisas belas de­terminadas; o conhecimento ocu­pa-se da beleza em si".

A Verdade, plena de luz

Esses dois mundos, segundo Platão, embora separados, estão relacionados num sentido preciso: as coisas sensíveis imitam as ideias que lhes correspondem, do mesmo modo como um pintor imita em seu quadro a natureza. Como imitação, as coisas sensíveis são sempre imperfeitas, e isso explica por que o mundo sensível é variado e sempre em mutação.
Mas é também por essa relação de imitação que os homens, situados no mundo sensível, podem conhecer as ideias, como quem se lembra do modelo de que foi tirada a cópia. Conhecer é assim reconhecer, lembrar-se das ideias que foram contempladas pela alma, mas esquecidas por causa do apego do corpo às coisas sensíveis. A alma possui essa capacidade de reconhecer as idéias porque de certo modo participa do mundo inteligível: como as ideias, ela é imaterial, incorpórea e impalpável, constituindo um elo de ligação que ainda mantemos com o inteligível.
Por fim, o despertar da alma para o mundo inteligível faz-se por um sentimento, que é o amor. Inicialmente, o amor é carnal e deseja um corpo belo, mas, aos poucos, passa a desejar a própria Beleza e o conhecimento da sua ideia. E o que pode haver de mais belo para o intelecto senão a Verdade?
O amor que deseja a Verdade é a própria filosofia (literalmente, "amor ao saber”). Platão ilustra os passos desse amor que deseja conhecer por meio da célebre alegoria da caverna, que abre o Livro VII de A República.
Segundo essa alegoria, o mundo sensível é como uma caverna em que os homens se encontram acorrentados de tal modo que só podem olhar para as paredes escuras. Atrás deles há uma fogueira cuja luz projeta na parede sombras obscuras - a única realidade, para esses homens. Mas um deles consegue escapar. Fora da caverna, a intensa luz do Sol ofusca-lhe a visão. Os olhos, porém, acostumam-se à claridade e ele vê a verdadeira e bela realidade: o mundo inteligível. Maravilhado, não pode deixar de voltar à caverna, a fim de comunicar aos companheiros a sua descoberta. Mas eles não o compreendem. Riem e, depois, matam-no.
O filósofo que chega à verdadeira realidade tem uma missão: a de voltar à caverna, ao mundo sensível dos homens, mesmo que ali seja incompreendido. Afinal, viu a luz do Sol que ilumina toda a realidade; a luz que, ao possibilitar o conhecimento, proporciona também o conhecimento de como os homens devem agir. Conhecer, para Platão, é conhecer o Bem, a Idéia suprema que, como o Sol, ilumina as demais ideias, tornando-as compreensíveis.
Conhecer o Bem significa que finalmente é possível organizar a cidade não mais segundo as opiniões, mas tendo como base o verdadeiro conhecimento. Este mostra que a cidade depende de três funções: a satisfação das necessidades básicas dos habitantes, a defesa do território e, por fim, a administração. A população, por isso, deve ser dividida nessas funções, segundo a aptidão de cada um: uns serão agricultores e artesãos; outros, guerreiros e guardiães da cidade. Aqueles, por fim, que se destacarem nos diversos níveis progressivos de educação pelo verdadeiro conhecimento, devem dirigir a cidade. Por isso, diz Platão, na Carta VII: “Os males não cessarão para os homens antes que a raça dos puros e autênticos filósofos chegue ao poder”. Uma conclusão talvez drástica mas inevitável para quem foi levado à filosofia pelo desencanto com a política cega dos homens.

ARISTÓTELES DE ESTAGIRA. Do nascimento da lógica à ordenação do mundo.
“O ser se exprime de muitos modos, mas nenhum modo exprime o ser. O ser se diz em vários sentidos”. Aristóteles
De caráter mais reservado que Platão, Aristóteles foi um homem de estudo e de pesquisa. Seus discípulos do Liceu ficaram conhecidos como peripatéticos (os que passeiam), devido ao hábito de Aristóteles de ensinar ao ar livre, muitas vezes sob as árvores que cercavam a escola.
Nascido em Estagira, na Macedônia, Aristóteles (384-322 a.C.) foi um dos mais expressivos filósofos gregos- de Antigüidade, junto com Platão. Há informações de que teria escrito mais de uma centena de obras, sobre os mais variados temas, das quais restam apenas 47, embora nem todas de autenticidade comprovada. Desempenhou extraordinário papel na organização do saber grego, acrescentando-lhe sua contribuição que impactou a história do pensamento ocidental.
Filho de Nicômaco, médico do rei da Macedônia, provavelmente herdou do pai o interesse pelas ciências naturais, que se revelaria posteriormente em sua obra. Aos dezoito anos foi para Atenas e ingressou na Academia de Platão, onde permaneceu cerca de vinte anos, tendo uma atuação crescentemente expressiva. Com a morte de Platão, a destacada competência de Aristóteles o qualificava para assumir a direção da Academia. Seu nome, entretanto, foi pretendo por ser considerado estrangeiro pelos atenienses.
Decepcionado com o episódio, deixou a Academia e partiu para Assos, na Mísia, Ásia Menor, onde permaneceu até 345 a.C. Pouco tempo depois foi convidado por Felipe II, rei da Macedônia, para ser professor de seu filho Alexandre. O relacionamento de Aristóteles e Alexandre foi interrompido quando este assumiu a direção do Império Macedônico, em 340 a.C.
Por volta de 335 a.C., Aristóteles regressou a Atenas, fundando sua própria escola filosófica, que passou a ser conhecida como Liceu, em homenagem ao deus Apolo Lício. Nesse local permaneceu ensinando durante aproximadamente doze anos.
Em 323 a.C., após a morte de Alexandre, os sentimentos antimacedônicos ganharam grande intensidade em Atenas. Devido a sua notória ligação com a corte macedônica, Aristóteles passou a ser perseguido. Foi então que decidiu abandonar Atenas, dizendo querer evitar que os atenienses “pecassem duas vezes contra a filosofia” (a primeira vez teria sido com Sócrates).
Apaixonado pela biologia, dedicou inúmeros estudos à observação da natureza e à classificação dos seres vivos. Tendo em vista a elaboração de uma visão científica da realidade, desenvolveu a lógica para servir de ferramenta do raciocínio.

Da sensação ao conceito: o discípulo discorda do mestre

Segundo Aristóteles, a finalidade básica das ciências seria desvendar a constituição essencial dos seres, procurando defini-la em termos reais.
Ao abordar a realidade, reconhecia a multiplicidade dos seres percebidos pelos sentidos. Assim, tudo o que vemos, pegamos, ouvimos e sentimos é aceito como elemento da realidade sensível.
Nesse sentido, rejeitava a teoria das idéias de Platão, segundo a qual os dados transmitidos pelos sentidos não passam de distorções, sombras ou ilusões da verdadeira realidade existente no mundo das ideias. Para Aristóteles, a observação da realidade leva-nos à constatação da existência de inúmeros seres individuais, concretos, mutáveis, que são captados por nossos sentidos.
Partindo dessa realidade sensorial _ empírica _, a ciência deve buscar as estruturas essenciais de cada ser. Em outras palavras, a partir da existência do ser, devemos atingir a sua essência, através de um processo de conhecimento que caminharia do individual e específico para o universal e genérico.
Aristóteles entendia que o ser individual, concreto, único não pode ser objeto da ciência. O objeto próprio das ciências é a compreensão do universal, visando o estabelecimento de definições essenciais, que possam ser utilizadas de modo generaliza.
A indução (operação mental que vai do particular para o geral) representa, para Aristóteles, conhecimento. Ela possibilita ao ser humano atingir conclusões científicas, de âmbito universal, a partir do trabalho metódico com os dados sensíveis - que sempre apresentam seres individuais, concretos e únicos.
Assim, por exemplo, o conceito escola – ou qualquer conclusão científica sobre esse conceito - foi elaborado tendo como base a observação sistemática das diferentes instituições às quais se atribui o nome de escola. Dessa maneira, o conceito escola tem sentido universal porque reúne em si a estrutura essencial aplicável ao conjunto das múltiplas escolas concretas existentes no mundo.

Nova interpretação para as mudanças do ser

Retomando a questão do ser, Aristóteles pretendeu resolver a contradição entre o caráter estático e permanente do ser em oposição ao movimento e à transitoriedade das coisas. Era a clássica polêmica entre Heráclito e Parmênides. Para essa questão, Aristóteles propôs uma nova interpretação ontológica (isto é, relativa ao estudo do ser), segundo a qual em todo ser, devemos distinguir:
 O ato _ a manifestação atual do ser, aquilo que já existe;
A potência _ as possibilidades do ser (capacidade de ser), aquilo que ainda não é mas pode vir a ser.
Assim, conforme Aristóteles, o movimento, a transitoriedade ou mudança das coisas se resumem na passagem da potência para o ato. Exemplo: a árvore que está sem flores pode tornar-se, com o tempo, uma árvore florida. Ao adquirir flores, essa árvore manifesta em ato aquilo que já continha, intrinsecamente, em potência.
Por outro lado, utilizando ainda o exemplo da arvore, pode acontecer que, em virtude de certas condições climáticas, uma árvore frutífera não venha a dar frutos (o que contraria a sua potência de dar frutos). Ou pode ser que as folhas da árvore se apresentem queimadas ou ressecadas, em conseqüência de um clima seco. Esses casos Aristóteles classifica como um acidente, ou seja, algo que não ocorre sempre, somente às vezes, por uma casualidade qualquer (no caso, a falta de chuva ou o excesso de calor), e que não faz parte da essência da árvore.
Assim, segundo Aristóteles, devemos distinguir também em todos os seres existentes:
A substância _ aquilo que é estrutural e essencial do ser;
O acidente _ aquilo que é atributo circunstancial e não-essencial do ser.
A substância corresponde àquilo que mais intimamente o ser é em si mesmo. Os acidentes pertencem ao ser, mas não são necessários para definir a natureza própria de cada ser.

O que determina a realidade do ser: a causa

A investigação do ato e da potência do ser depende, no entanto, de alguns esclarecimentos sobre a causalidade. Isto porque essa passagem da potencia para o ato não se dá ao acaso: ela é causada.
Aristóteles emprega o termo causa em sentido bastante amplo, isto e, no sentido de tudo aquilo que determina a realidade de um ser. Distingue, assim, quatro tipos de causas fundamentais:
Causa material _ refere-se à matéria de que é feita uma coisa. Exemplo: o mármore utilizado na confecção de uma estátua;
Causa formal _ refere-se à forma, à natureza específica, à configuração de uma coisa, tornando-a “um ser propriamente dito”. Exemplo: uma estátua em forma de homem e não de cavalo;
Causa eficiente _ refere-se ao agente que produziu diretamente a coisa. Exemplo: o escultor que fez a estátua;
Causa final _ refere-se ao objetivo, à intenção, à finalidade ou à razão de ser de uma coisa. Exemplo: o escultor tinha como finalidade exaltar a figura do soldado ateniense.
Segundo Aristóteles, a causa formal está diretamente subordinada à causa final, pois a finalidade de uma coisa determina o que os seres efetivamente são. A potência, em si mesma, não é capaz de formalizar o ser em ato. Para que se dê essa passagem, é preciso a intervenção de um agente transformador (causa eficiente), guiado por uma finalidade (causa final).
Assim, segundo Aristóteles, a causa final é que comanda o movimento da realidade. É pela causa final; em última instância, que as coisas mudam, determinando a passagem da potência para o ato.

A felicidade humana

Aristóteles define o homem como ser racional e considera a atividade racional, o ato de pensar, como a essência humana. Por conseguinte, investigando a questão ética, ele diz:
 “(...) aquilo que é próprio de cada criatura lhe é naturalmente melhor e mais agradável; para o homem, a vida conforme o intelecto (a razão) é melhor e mais agradável, já que o intelecto, mais que qualquer outra parte do homem, é o homem. Esta vida, portanto, é também a mais feliz”.
ARISTOTELES. Ética a Nicômaco, (1178 a.C.), p. 203
Para ser feliz, portanto, o homem deve viver de acordo com a sua essência, isto é, de acordo com a sua razão, a sua consciência reflexiva. E, orientando os seus atos para uma conduta ética, a razão o conduzirá à prática da virtude.
Para Aristóteles, a virtude representa o meio-termo, a justa medida de equilíbrio entre o excesso e a falta de um atributo qualquer. Exemplos: a virtude da prudência é o meio-termo entre a precipitação e a negligência; a virtude da coragem é o meio-termo entre a covardia e a valentia insana; a perseverança é o meio-termo entre a fraqueza de vontade e a vontade obsessiva.