quarta-feira, 13 de abril de 2011

Filosofia e Ética

Filosofia e Ética
“A característica específica do homem em comparação com os outros animais é que somente ele tem o sentimento do bem e do mal, do justo e do injusto e de outras qualidades morais.”
ARISTÓTELES. Política, p. 15

Distinção entre moral e ética (Gilberto Cotrim)
O que é moral? E qual a diferença entre moral e ética? Embora os termos ética moral por vezes sejam usados como sinônimos, é possível fazer uma distinção entre eles.
A palavra moral vem do latim mos, moris = "costumes", e refere-se ao conjunto de normas que orientam o comportamento humano tendo como base os valores próprios a uma dada comunidade ou cultura.
Como as comunidades humanas são distintas entre si, tanto no espaço quanto no tempo, os valores podem ser distintos de uma comunidade para outra, o que origina códigos morais diferentes.
Pertencem ao vasto campo da moral a reflexão sobre questões fundamentais, como:
• O que devo fazer para ser justo?
• Quais valores devo escolher para guiar minha vida?
• Há uma hierarquia de valores que deve ser seguida?
• Que tipo de ser humano devo ser nas minhas relações comigo mesmo, com meus semelhantes e com a natureza?
• Que tipo de atitudes devo praticar como pessoa e como cidadão?
A palavra ética, por sua vez, vem do grego ethikos, "modo de ser", "comportamento", “o caráter de alguém” e se aplica à disciplina filosófica que investiga os diversos sistemas morais elaborados pelos homens, buscando compreender a fundamentação (base ou alicerce) das normas e proibições (interdições) próprias a cada um e explicar as concepções (ideias) sobre o ser humano e a existência humana que os sustentam. Êthos significa “o conjunto de costumes instituídos por uma sociedade para formar, regular e controlar a conduta de seus membros”
Como filosofia prática, isto é, disciplina teórica com preocupações práticas, a ética orienta- se pelo desejo de unir o saber ao fazer, isto é, busca aplicar a conhecimento sobre o ser para construir aquilo que deve ser. E, para isso, é indispensável boa parcela de conhecimento teórico.

Moral e direito
Se a moral é a conjunto de normas de conduta de uma sociedade, qual a diferença entre normas morais e normas jurídicas? As normas morais e as normas jurídicas são estabelecidas pelos membros da sociedade, e ambas se destinam a regulamentar as relações nesse grupo de pessoas. Há, então, vários aspectos comuns entre normas morais e jurídicas. Por exemplo:
_ apresentam-se como imperativos, ou seja, normas que devem ser seguidas por todos;
_ buscam propor, através de normas, uma melhor convivência entre os indivíduos;
_ orientam-se pelos valores culturais próprios de uma determinada sociedade;
_ têm um caráter histórico, isto é, mudam de acordo com as transformações histórico-sociais. No entanto, a despeito dessas semelhanças, há diferenças fundamentais entre a moral e o direito:
_ as normas morais são cumpridas a partir da convicção pessoal de cada indivíduo, enquanto as normas jurídicas devem ser cumpridas sob pena de punição do Estado em caso de desobediência;
_ a punição, no campo do direito, está prevista na legislação, ao passo que, no campo da moral, a sanção eventual pode variar bastante, pois depende fundamentalmente da consciência moral do sujeito que infringe a norma;
_ a esfera da moral é mais ampla, atingindo diversos aspectos da vida humana, enquanto a esfera do direito se restringe a questões específicas nascidas da interferência de condutas sociais. O direito costuma ser regido pelo seguinte princípio: tudo é permitido que se faça, exceto aquilo que a lei expressamente proíbe;
_ a moral não se traduz em um código formal, enquanto o direito sim;
_ o direito mantém uma relação estreita com o Estado, enquanto a moral não apresenta essa vinculação.

Virtude e vício
A palavra virtude deriva do latim virtus, "força ou qualidade essencial", e significa, no contexto da moral, a qualidade ou a ação que dignifica o homem. E qual é essa qualidade ou ação?
Há muitas interpretações sobre esse tema, mas podemos dizer, basicamente, que a virtude é a prática constante do bem, correspondendo ao uso da liberdade com responsabilidade moral. Assim, são consideradas virtudes a polidez, a fidelidade, a prudência, a justiça, a coragem, a generosidade, honestidade, respeito, etc.
À idéia de virtude se opõe a de vício, que consiste na prática do mal, correspondendo ao uso da liberdade sem responsabilidade moral. Assim, são considerados vícios a violência, a infidelidade, a insensatez, a injustiça, a covardia, a mesquinhez, desonestidade, desrespeito, etc.

Juízo de fato e juízo de valor
Se dissermos: “Está chovendo”, estaremos enunciando um acontecimento constatado por nós e o juízo proferido é um juízo de fato. Se, porém, falarmos: “A chuva é boa para as plantas” ou “A chuva é bela”, estaremos interpretando e avaliando o acontecimento. Nesse caso, proferimos um juízo de valor.
Juízos de fato são aqueles que dizem o que as coisas são, como são e por que são. Em nossa vida cotidiana, mas também na metafísica e nas ciências, os juízos de fato estão presentes. Diferentemente deles, os juízos de valor - avaliações sobre coisas, pessoas e situações - são proferidos na moral, nas artes, na política, na religião.
Juízos de valor avaliam coisas, pessoas, ações, experiências, acontecimentos, sentimentos, estados de espírito, intenções e decisões como bons ou maus, desejáveis ou indesejáveis.
Os juízos éticos de valor são também normativos, isto é, enunciam normas que determinam o dever ser de nossos sentimentos, nossos atos, nossos comportamentos. São juízos que enunciam obrigações e avaliam intenções e ações segundo o critério do correto e do incorreto.
Os juízos éticos de valor nos dizem o que são o bem, o mal, a felicidade. Os juízos éticos normativos nos dizem que sentimentos, intenções, atos e comportamentos devemos ter ou fazer para alcançarmos o bem e a felicidade. Enunciam também que atos, sentimentos, intenções e comportamentos são condenáveis ou incorretos do ponto de vista moral.
Como se pode observar, senso moral e consciência moral são inseparáveis da vida cultural, uma vez que esta define para seus membros os valores positivos e negativos que devem respeitar ou detestar.

Razão, Desejo e Vontade
Nas duas correntes (razão e vontade), porém, há concordância quanto à ideia de que, por natureza, somos seres passionais, cheios de apetites, impulsos e desejos cegos, desenfreados e desmedidos, cabendo à razão (seja como inteligência, no intelectualismo, seja como vontade, no voluntarismo) estabelecer limites e controles para paixões e desejos.
Egoísmo, agressividade, avareza, busca ilimitada de prazeres corporais, sexualidade sem freios, mentira, hipocrisia, má-fé, desejo de posse (tanto de coisas como de pessoas), ambição desmedida, crueldade, medo, covardia, preguiça, ódio, impulsos assassinos, desprezo pela vida e pelos sentimentos alheios são algumas das muitas paixões que nos tornam imorais e incapazes de relações decentes e dignas com os outros e conosco mesmos. Quando cedemos a elas, somos viciosos e culpados. A ética apresenta-se, assim, como trabalho da inteligência e/ou da vontade para dominar e controlar essas paixões.
Uma paixão – amor, ódio, inveja, ambição, orgulho, medo – coloca-nos à mercê de coisas e pessoas que desejamos possuir ou destruir. O racionalismo ético define a tarefa da educação moral e da conduta ética como poderio da razão para impedir-nos de perder a liberdade sob os efeitos de paixões desmedidas e
incontroláveis.Para tanto, a ética racionalista distingue necessidade, desejo e vontade.
A necessidade diz respeito a tudo quanto necessitamos para conservar nossa existência: alimentação, bebida, habitação, agasalho no frio, proteção contra as intempéries, relações sexuais para a procriação, descanso para desfazer o cansaço, etc.
Para os seres humanos, satisfazer às necessidades é fonte de satisfação. O desejo parte da satisfação de necessidades, mas acrescenta a elas o sentimento do prazer, dando às coisas, às pessoas e às situações novas qualidades e sentidos. No desejo, nossa imaginação busca o prazer e foge da dor pelo significado atribuído ao que é desejado ou indesejado.
A maneira como imaginamos a satisfação, o prazer, o contentamento que alguma coisa ou alguém nos dão transforma esta coisa ou este alguém em objeto de desejo e o procuramos sempre, mesmo quando não conseguimos possuí-lo ou alcançá-lo. O desejo é, pois, a busca da fruição daquilo que é desejado, porque o objeto do desejo dá sentido à nossa vida, determina nossos sentimentos e nossas ações. Se, como os animais, temos necessidades, somente como humanos temos desejos. Por isso, muitos filósofos afirmam que a essência dos seres humanos é desejar e que somos seres desejantes: não apenas desejamos, mas sobretudo desejamos ser desejados por outros.
A vontade difere do desejo por possuir três características que este não possui:
1. O ato voluntário implica um esforço para vencer obstáculos. Estes podem ser materiais (uma montanha surge no meio do caminho), físicos (fadiga, dor) ou psíquicos (desgosto, fracasso, frustração). A tenacidade e a perseverança, a resistência e a continuação do esforço são marcas da vontade e por isso falamos em força de vontade;
2. O ato voluntário exige discernimento e reflexão antes de agir, isto é, exige deliberação, avaliação e tomada de decisão. A vontade pesa, compara, avalia, discute, julga antes da ação;
3. A vontade refere-se ao possível, isto é, ao que pode ser ou deixar de ser e que se torna real ou acontece graças ao ato voluntário, que atua em vista de fins e da previsão das conseqüências. Por isso, a vontade é inseparável da responsabilidade.
O desejo é paixão. A vontade, decisão. O desejo nasce da imaginação. A vontade se articula à reflexão. O desejo não suporta o tempo, ou seja, desejar é querer a satisfação imediata e o prazer imediato. A vontade, ao contrário, realiza-se no tempo; o esforço e a ponderação trabalham com a relação entre meios e fins e aceitam a demora da satisfação. Mas é o desejo que oferece à vontade os motivos interiores e os fins exteriores da ação. À vontade cabe a educação moral do desejo. Na concepção intelectualista, a inteligência orienta a vontade para que esta eduque o desejo. Na concepção voluntarista, a vontade boa tem o poder de educar o desejo, enquanto a vontade má submete-se a ele e pode, em muitos casos, pervertê-lo.
Consciência, desejo e vontade formam o campo da vida ética: consciência e desejo referem-se às nossas intenções e motivações; a vontade, às nossas ações e finalidades. As primeiras dizem respeito à qualidade da atitude interior ou dos sentimentos internos ao sujeito moral; as últimas, à qualidade da atitude externa, das condutas e dos comportamentos do sujeito moral.
Para a concepção racionalista, a filosofia moral é o conhecimento das motivações e intenções (que movem interiormente o sujeito moral) e dos meios e fins da ação moral capazes de concretizar aquelas motivações e intenções. Convém observar que a posição de Kant, embora racionalista, difere das demais porque considera irrelevantes as motivações e intenções do sujeito, uma vez que a ética diz respeito à forma universal do ato moral, como ato livre de uma vontade racional boa, que age por dever segundo as leis universais que deu a si mesma. O imperativo categórico exclui motivos e intenções (que são sempre particulares) porque estes o transformariam em algo condicionado por eles e, portanto, o tornariam um imperativo hipotético, destruindo-o como fundamento universal da ação ética por dever.

A Unidade e coerência de vida Ética e a Pluralidade de Comportamentos Sociais
Sociedades internamente muito diferenciadas em suas instituições, cada uma delas com normas e regras de conduta próprias, podem gerar conflitos de condutas de tal maneira que um comportamento considerado ético numa instituição poderia não o ser numa outra. Essa situação nos leva a indagar qual o sentido do aparecimento, nos últimos tempos, de expressões como "ética da empresa", "ética da profissão", "ética médica" (e do dentista, do professor, do aluno, dos motoristas, das donas-de-casa, etc.). Ao que tudo indica, teríamos de considerar não só que há várias e múltiplas instituições sociais mas também múltiplas éticas e que estas podem estar em conflito ou ser contrárias umas às outras. Como ser ético - isto é, ter unidade e coerência de vida - em tais circunstâncias?
Por exemplo, poderíamos supor que a "ética familiar” teria como valor o amor recíproco, a obediência e a confiança, mas que a "ética da empresa" poderia valorizar a competição, o segredo e a desconfiança. Dessa maneira, a vida virtuosa aprendida em casa não nos prepararia para sermos éticos numa empresa. E vice-versa, isto é, um jovem e uma jovem que trabalhassem numa empresa, ao se casarem e terem filhos não estariam preparados para praticar a ética familiar. A suposição de que há várias éticas que podem ser conflitantes e às quais devemos adaptarmos leva a imaginar que a ética seria como um casaco que você tira e põe conforme a hora, o lugar e a temperatura.
Ora, há um equívoco de base nessa suposição de uma pluralidade de éticas. De fato, cada instituição social e cada profissão estabelecem um conjunto de normas que se referem não à qualidade moral dos comportamentos e das condutas de seus membros e sim à funcionalidade e à eficácia para o desempenho adequado ou esperado de uma ação (empresarial, profissional). Essas normas não são éticas ou morais, mas organizacionais e administrativas. Por conseguinte, não há várias éticas.
Todavia, embora em si mesmas não sejam éticas nem formem éticas particulares, podemos e devemos perguntar se essas normas de funcionalidade e eficácia do desempenho estão ou não de acordo com os valores éticos da sociedade na qual existem. Dessa maneira, podemos conservar a idéia de que uma ética é, exatamente, uma (definida e determinada por uma cultura e uma sociedade em condições históricas dadas) e que é por ela que avaliamos a qualidade moral das ações realizadas nas diferentes instituições sociais e políticas e nas profissões. Em outras palavras, podemos eticamente indagar se, em suas normas de funcionalidade e eficácia, as instituições e as profissões respeitam ou não os princípios morais: se respeitam ou não a exigência moral da não-violência, se favorecem ou não o exercício da auto-reflexão, da responsabilidade e da liberdade dos seus membros. E assim por diante.
Agora veremos a ética nos diferentes temas e nas diferentes áreas de comportamentos sociais.
Deontologia são os deveres éticos aplicados nas profissões, etc.

Ética e Liberdade (Sílvio Gallo)

“A liberdade é o fundamento de todos os valores. O homem é aquilo que ele faz de si mesmo”. (Sartre)
Camila tem 15 anos. Seus cabelos longos e escorridos estão pintados de vermelho e suas roupas são escuras, a camiseta preta tem a foto dos Ramones. Como sua turma, curte um bom rock, puxando para o hardcore.
Pretende sair com os amigos para um show, mas o pai não deixa. Ela se revolta, briga, xinga o pai, chora e se descabela. Mas não adianta; esse show, para ela, já era. Chorando e xingando num canto, Camila pensa em como seria bom se ninguém mandasse em sua vida, se ela fosse livre...
Quantas vezes você já se viu em situação de conflito com seus pais ou familiares por querer fazer alguma coisa e eles não permitirem? Situações como essa já levaram você a pensar sobre a liberdade, suas características e conseqüências, além de apenas desejá-Ia ou lamentar não possuí-Ia?
Um clássico da literatura juvenil de aventura, O Conde de Montecristo, foi adaptado para cinema, resultando num belo filme, com uma passagem interessante. Um velho monge, prisioneiro há vários anos numa masmorra passa bastante tempo cavando um túnel, esperando sair da cela e encontrar a liberdade.
Quando seu túnel finalmente encontra um fim, vê-se não fora da prisão, mas na cela de um outro homem. Exclama, então, cheio de tristeza: "Gastei cinco anos de minha vida em busca da liberdade, e tudo o que encontrei foi a cela de outro homem!"
A cena descrita é reveladora, pois mostra que a busca da liberdade, mesmo quando colocamos nela todas as nossas forças, mesmo quando fazemos dela nosso único projeto de vida, o verdadeiro sentido da existência, pode resultar apenas na constatação da prisão do outro, isto é, na falta de liberdade de todos, sofrida não apenas por nós, mas também por aqueles que nos rodeiam.
Cecília Meireles, concluindo um poema que escreveu em homenagem à Inconfidência Mineira, primeiro movimento político-social a tentar construir a independência do Brasil, escreveu os seguintes versos:
Liberdade, essa palavra
que o sonho humano alimenta:
que não há ninguém que explique,
e ninguém que não entenda.
A filosofia, como ferramenta de pensamento, pode nos auxiliar a entender melhor a liberdade, e mesmo a tentar explicá-Ia.
Liberdade versus Determinismo

Se falamos em liberdade, é porque conhecemos e experimentamos o seu oposto, a falta de liberdade. Imagine que fôssemos todos sempre e absolutamente capazes de fazer o que quiséssemos, sem nada nem ninguém para impedir: viveríamos a plena liberdade e, provavelmente, nem pensaríamos nela. É porque sentimos sua falta que ela se torna para nós um tema importante.
Mas será o ser humano de fato livre? Ao longo dos milênios de nossa história, a cultura (religiões, filosofias, ciências e outros saberes) se encarregou de tentar explicar isso. As mais diversas teorias podem ser classificadas em dois grandes grupos. Um deles afirma a liberdade; outro afirma o determinismo.
Você acredita em destino? Já ouviu dizer que sua vida já está toda escrita, mesmo antes do seu nascimento? Se acredita nisso, você é um partidário do determinismo, que afirma que tudo o que fazemos já foi determinado por algo ou alguém.
Algumas religiões afirmam que o ser humano apenas faz o que já havia sido determinado por Deus ou pelos deuses; os gregos antigos acreditavam que as Moiras, três divindades irmãs, teciam os fios da vida dos mortais, determinando suas ações.
No cristianismo, temos duas posições distintas: acredita-se que Deus, ao criar o homem, dotou-o do livre-
arbítrio, a capacidade de escolher entre o bem e o mal. Não existe, pois, o destino: em nossa vida, escolhemos o caminho a seguir _ o que leva ao paraíso ou o que leva ao inferno. Mas, por outro lado, os calvinistas acreditam na predestinação, segundo a qual a vida de cada um já está determinada por Deus.
Nos dias de hoje, anda muito na moda o esoterismo, que é, em geral, uma forma de determinismo. Se você gosta de ler Tarô, de consultar o I-Ching, de ler a mão (quiromancia) ou outras coisas desse tipo, está assumindo que sua vida já foi determinada, que seu caminho já está traçado e que algumas pessoas, dotadas de um “dom especial", são capazes de ver esse caminho e contar para você o que vai acontecer. Em outras palavras, na sua vida não há lugar para a liberdade.
Mas, se você não acredita no destino, se pensa que a vida é construída a cada passo, então, para você a liberdade tem um sentido todo especial, pois ela é a matéria-prima com a qual a vida é moldada.

Liberdade e Escolha
Dos filósofos de nosso tempo, o que mais se dedicou a pensar a liberdade foi o francês Jean-Paul Sartre (1905-1980), muito famoso porque escreveu também vários romances e peças para teatro.
Para Sartre, a liberdade é o próprio fundamento do ser do homem. Ela está na raiz de seu comportamento, porque sempre temos de escolher. Nesse sentido, o homem é essencialmente livre, não pode abdicar da liberdade. Como disse Sartre, o homem está “condenado a ser livre".
Você poderia dizer o seguinte: nem sempre eu posso escolher. Às vezes, uma das condições é a morte: ou faço determinada coisa ou morro. Ora, morrer para não abrir mão de alguma coisa é uma escolha. Mesmo a morte é uma escolha, e optar por ela é parte de meu exercício de liberdade...
Essa liberdade de que fala Sartre é integral, e só pode ser assim. Não podemos falar em “graus" de liberdade, eu não posso ser mais livre ou menos livre. Eu não posso escolher “mais ou menos” entre duas ou mais coisas. Ou eu escolho ou não escolho; ou sou integralmente livre ou não sou.

Liberdade e Situação
Na nossa vida cotidiana, porém, nem sempre percebemos a liberdade como Sartre a descreve. Está certo que a morte pode ser uma opção, mas, se escolho viver e coloco a vida como meu valor supremo, estarei disposto a fazer concessões para continuar vivendo.
Se aquela liberdade de que fala o filósofo francês não admite graus, podemos falar numa liberdade vivida, sujeita às condições de nosso dia-a-dia.
Essa liberdade vivida não é absoluta, mas é sempre situada. Eu sou livre em determinadas situações e não o sou em outras. Posso ser mais livre em certos grupos sociais, menos em outros e até mesmo não-livre em tantos outros. Essa liberdade pode existir em graus, em etapas, ser conquistada ou reprimida. É essa liberdade que é cantada em prosa, verso, música e vida.
A situação é uma forma de determinação. Percebemos, então, que não pode existir, de fato, nem uma liberdade absoluta nem o determinismo, que seria uma determinação absoluta. Na complexidade da vida humana, a possibilidade da liberdade é construída a cada momento, na aceitação das determinações das quais não se pode fugir e na luta contra as determinações que podem ser superadas.
Também aqui o fundamento da liberdade é o ato da escolha. A todo momento estamos nos defrontando com ela: quando resolvemos que roupa vestir, o que comer, aonde ir... Jamais podemos fugir da escolha. Às vezes, temos mais opções, outras vezes, menos opções, mas sempre precisamos nos decidir por uma, e é a esse poder de decisão que chamamos de liberdade.

Liberdade e Responsabilidade
Quando escolho, a escolha transforma-se em ato. Escolho e faço alguma coisa. E todo ato tem conseqüências, resultados. Se fui eu que escolhi e eu que agi, eu devo ser responsável pela escolha e por aquilo que fiz. E, em decorrência, também tenho responsabilidade sobre as conseqüências de minha ação.
É por isso que liberdade e responsabilidade andam sempre juntas. Se sou livre, sou responsável.
Como vivemos em situação, no mundo em meio a outros homens, nossas ações têm conseqüências que dizem respeito não apenas a nós, mas também àqueles que nos rodeiam. Se você escolher abandonar a escola, essa decisão terá reflexos não apenas na sua vida, mas também nas vidas de seus colegas de classe, na vida de seus familiares, de seus amigos...
Um exemplo concreto. Estou dirigindo meu carro por uma estrada onde placas indicam que o limite de velocidade é de 100 km/h. Eu sou livre para obedecer ou não essa determinação, mas devo assumir toda a responsabilidade por minha escolha. Pode ser que dirija a 120 ou 140 km/h e nada aconteça, mas também pode ser que eu seja parado pela polícia rodoviária e ganhe uma bela multa - uma conseqüência ruim para mim. Ou, ainda, pode ser que, pelo excesso de velocidade, eu perca o controle do carro e me envolva num acidente. As conseqüências de minha escolha estendem-se, então, por um número bem maior de pessoas: aquelas que podem ter ficado feridas ou mesmo morrido no acidente, além de meus familiares e amigos que certamente lamentarão por mim. É por isso que Sartre afirma que é quando escolho que me torno humano, e escolho não apenas a mim, mas a toda a humanidade.

Liberdade e Sociedade
Você certamente conhece aquele ditado que diz que “a minha liberdade termina onde começa a liberdade do outro". Você já pensou a respeito? Será que uma liberdade que termina na liberdade do outro é, de fato, uma verdadeira liberdade?
Ora, se minha liberdade é limitada pela do meu vizinho, significa que a dele também é limitada pela minha. Em outras palavras, nem ele nem eu somos livres. Se pensarmos bem, tal idéia de liberdade significa que apenas somos livres se vivemos sozinhos, isolados de outras pessoas.
No entanto, a vida em sociedade é uma condição humana. Ser homem significa viver junto com outras pessoas. E viver junto é conviver (compartilhar a vida, os espaços, os sonhos, as alegrias, as tristezas...) e não apenas coabitar (dividir o mesmo espaço; uma casa, por exemplo). Dessa maneira, devemos esquecer a hipótese de uma liberdade absoluta, na qual somos donos de nossos narizes porque não existem outros como nós para nos ameaçar. E, além do mais, que graça teria eu ser livre se não houvesse outras pessoas para reconhecer em mim essa liberdade?
Se, por outro lado, pensamos a liberdade como atributo de um indivíduo que é parte de um grupo social, aquele ditado citado acima perde todo seu sentido. Uma liberdade que só existe porque escraviza o outro não é uma verdadeira liberdade.
O filósofo alemão Georg W.F. Hegel (1770-1831) analisou o paradoxo da liberdade numa passagem de sua obra Fenomenologia do espírito que ficou conhecida como a dialética do senhor e do escravo. Segundo ele, o senhor, para viver, precisa do trabalho do escravo. Ele só é senhor porque existe um escravo; se o escravo deixa de existir, ele deixa de ser senhor. Essa é, portanto, uma condição negativa. Já o escravo, por sua vez, se o senhor deixa de existir, deixa de ser escravo, ganha a liberdade. É uma condição afirmativa. A liberdade do senhor só é possível com a existência do escravo; a liberdade do escravo só é possível com a ausência do senhor. Desse modo, a liberdade do escravo é independente, ao passo que a liberdade do senhor é dependente da escravidão.
A liberdade só pode ser de fato se for possível para todos. No século passado o russo Mikhail Bakunin já escrevia que “a liberdade do outro eleva a minha ao infinito", o que seria confirmado filosoficamente depois por Sartre. Só posso ser livre se todos aqueles que convivem comigo também forem livres. Assim, minha liberdade não termina onde começa a do outro, mas ambas começam juntas e, uma complementando a outra, podem crescer ao infinito.

Ética e Violência (Marilena Chauí)

Quando acompanhamos a história das ideias éticas, desde a Antiguidade clássica (greco-romana) até nossos dias, podemos perceber que, em seu centro, encontra-se o problema da violência e dos meios para evitá-la, diminuí-la, controlá-la. Diferentes formações sociais e culturais instituíram conjuntos de valores éticos como padrões de conduta, de relações intersubjetivas e interpessoais, de comportamentos sociais que pudessem garantir a integridade física e psíquica de seus membros e a conservação do grupo social.
Evidentemente, as várias culturas e sociedades não definiram e nem definem a violência da mesma maneira, mas, ao contrário, dão-lhe conteúdos diferentes, segundo os tempos e os lugares. No entanto, malgrado as diferenças, certos aspectos da violência são percebidos da mesma maneira, nas várias culturas e sociedades, formando o fundo comum contra o qual os valores éticos são erguidos. Fundamentalmente, a violência é percebida como exercício da força física e da coação psíquica para obrigar alguém a fazer alguma coisa contrária a si, contrária aos seus interesses e desejos, contrária ao seu corpo e à sua consciência, causando-lhe danos profundos e irreparáveis, como a morte, a loucura, a auto-agressão ou a agressão aos outros.
Quando uma cultura e uma sociedade definem o que entendem por mal, crime e vício definem aquilo que julgam violência contra um indivíduo ou contra o grupo. Simultaneamente, erguem os valores positivos – o bem e a virtude – como barreiras éticas contra a violência.
Em nossa cultura, a violência é entendida como o uso da força física e do constrangimento psíquico para obrigar alguém a agir de modo contrário à sua natureza e ao seu ser. A violência é a violação da integridade física e psíquica, da dignidade humana de alguém. Eis por que o assassinato, a tortura, a injustiça, a mentira, o estupro, a calúnia, a má-fé, o roubo são considerados violência, imoralidade e crime.
Considerando que a humanidade dos humanos reside no fato de serem racionais, dotados de vontade livre, de capacidade para a comunicação e para a vida em sociedade, de capacidade para interagir com a Natureza e com o tempo, nossa cultura e sociedade nos definem como sujeitos do conhecimento e da ação, localizando a violência em tudo aquilo que reduz um sujeito à condição de objeto. Do ponto de vista ético, somos pessoas e não podemos ser tratados como coisas. Os valores éticos se oferecem, portanto, como expressão e garantia de nossa condição de seres humanos livres, proibindo moralmente o que nos transforme em coisa usada e manipulada por outros.
A ética é normativa exatamente por isso, suas normas visando impor limites e controles ao risco permanente da violência.

Ética e Cidadania na Sociedade Tecnológica (Sílvio Gallo)

Naquele dia, por acaso, João fez uma coisa não muito comum: pegou o jornal que seu pai havia deixado num canto e começou a folheá-lo: de repente, viu uma foto que o deixou chocado: sobre uma placa de vidro num laboratório havia um ratinho. Mas um ratinho muito esquisito: em suas costas, havia uma enorme orelha humana! João curtia filmes de ficção, daqueles cheios de efeitos especiais, com criaturas horrendas e muita gosma escorrendo. Mas uma coisa é você se divertir com algo nojento: outra, muito diferente, é você ver o resultado de uma experiência estranha, e que você sabe que é verdade. Pelo resto daquele dia, e em muitos dias seguintes, João não conseguiu deixar de pensar naquilo. Quais seriam os limites para a ação do homem? Será que agora ele havia começado a pensar que é Deus?
Vivemos num mundo onde as maravilhas da tecnologia misturam-se cada vez mais com os horrores da miséria absoluta. Sondas e naves nos enviam informações detalhadas dos mais longínquos planetas do sistema solar, um telescópio em órbita da Terra é capaz de nos mostrar os instantes seguintes à própria criação do Universo tal como o conhecemos, aviões cruzam os ares a velocidades inimagináveis, a medicina faz progressos que, a cada dia, aumentam as expectativas do tempo de vida das pessoas. Ao mesmo tempo, somos assolados pelo vírus da AIDS, que mata milhões de pessoas e para o qual não conseguimos encontrar uma vacina; doenças há muito erradicadas, como a dengue, a febre amarela, o cólera, que vicejam apenas em condições de miséria, matam milhares de pessoas nas regiões mais pobres do planeta, sem que se consiga fazer nada. Isso para não falar da fome, e das fotos chocantes que jornais e revistas estampam com a freqüência pedida pelo sensacionalismo. Será que o homem, quanto mais produz conhecimento e ganha domínio sobre a natureza, mais perde o controle sobre sua própria vida? Como teríamos chegado a esta situação?
Mas qual seu significado cultural? A Revolução Industrial significou a automatização do trabalho humano, isto é, a força física que o homem dispendia no trabalho foi substituída pela energia da máquina, movida pelo vapor e, depois, pela eletricidade. Imagine o impacto disso sobre as pessoas, que poderiam passar a ter muito mais tempo livre, pois, com as máquinas, a produtividade do trabalho aumentava incrivelmente. Infelizmente, hoje, sabemos que isso não aconteceu bem assim, pois a ganância do lucro levou a muito mais trabalho, a uma produção cada vez maior. Mas isso discutiremos daqui a pouco.
Com a Revolução Industrial, o operário começa a trabalhar junto com a máquina; a velocidade do trabalho já não é definida pelo homem, mas pela máquina. O "tempo humano", marcado pelos ritmos biológicos, é substituído pelo "tempo da máquina", marcado pelos ponteiros do relógio. A pessoa já não dorme quando sente sono e acorda quando já não sente sono, mas, sim, numa hora que lhe permita começar o trabalho no momento definido pela fábrica; não come quando sente fome, mas no horário determinado como o de almoço; não pára de trabalhar quando já está cansada, mas apenas no final de seu expediente.
Talvez a principal conseqüência da Revolução Industrial tenha sido essa mecanização do tempo, e todas as decorrências que ela tem para a vida humana. Mas outra, também bastante importante, foi o processo de urbanização. Antes, a maioria das pessoas vivia no campo, trabalhando na agricultura. Mas o trabalho nas fábricas as atrai para a cidade, com promessas de uma vida melhor, na qual se trabalhe menos e se ganhe mais. Esse êxodo rural causa uma mudança profunda na estrutura da família patriarcal. No campo, as famílias são grandes e o pai é o centro dela, a maior autoridade. Na cidade, as famílias se fragmentam. Também isso terá sérias conseqüências para a sociedade tecnológica.
O terceiro e mais recente aspecto da formação da sociedade tecnológica é o que podemos chamar de automação da sociedade, e acontece a partir da metade deste século, com a invenção do computador. O tempo da máquina se acelera quase ao infinito, pois os computadores processam milhões de informações num tempo inimaginável por nós. O tempo humano encontra-se ainda mais distante; as pessoas têm de se subordinar cada vez mais aos ritmos impostos pelas máquinas.
A sociedade hoje é marcada pelo fluxo das informações e pela velocidade das transformações. Nesse sistema científico-tecnológico, o homem perde seu lugar, transforma-se num número.

A crise dos valores no mundo contemporâneo
Nos tempos modernos, experimentamos uma inversão dos valores morais que são o fundamento da ética. O desenvolvimento da ciência e da tecnologia foi tão grande, rápido e intenso que assumiu dimensões inimagináveis. Diante desse espantoso e vertiginoso desenvolvimento, o homem foi empalidecendo, perdendo sua posição central.
O trabalho alienado que, como já vimos, transforma o trabalhador em mais uma mercadoria, faz com que o homem perca sua capacidade de ser sujeito das situações. Manipulado no universo do trabalho, manipulado no mundo do consumo, o homem vai perdendo sua "humanidade".
Na sociedade capitalista, o dinheiro é que ocupa o centro das atenções. Uma pessoa vale pelo dinheiro que possui ou que pode produzir. Você mesmo já deve ter se referido a um colega como: "É aquele que tem uma moto preta" ou "aquele do Gol vermelho", por exemplo. O psicanalista Erich Frömm caracterizou nossa sociedade como aquela que dá muito mais importância ao ter do que ao ser: é por isso que uma pessoa vale, e até mesmo é identificada, pelo carro que possui e não por aquilo que ela de fato é: um bom amigo, um cara simpático, etc.
Isso tudo mostra que, nos dias de hoje, as pessoas já não têm o ser humano como valor fundamental, mas, sim, o dinheiro, o lucro. A pergunta básica que se faz ao planejar uma ação é: "O que eu vou ganhar com isso?" Podemos compreender, assim, alguns fatos aparentemente incompreensíveis: acidentes que acontecem em edifícios e matam e ferem dezenas de pessoas porque houve algum tipo de "economia" na construção; pessoas que morrem em hospitais porque a verba repassada pelo governo já não atende à ganância de seus donos; o investimento de fortunas em projetos mirabolantes, ao passo que parcela enorme da população passa fome, vive nas ruas sem casa, escola, sistema de saúde, sem o mínimo necessário para uma sobrevivência com dignidade.
Os valores que regem nossa sociedade e são levados em conta para as ações, seja das pessoas que ocupam altos cargos administrativos, seja pela criança que pede dinheiro no semáforo da esquina, já não têm o homem como objetivo central. O que importa é garantir o próprio lucro, venha ele na forma de milhões de dólares ou de uma moedinha de dez centavos.
Quando nos voltamos para o âmbito da ciência, a realidade não é diferente. A ciência, como se fosse um ser vivo, rege-se por uma lei interna que a impele a um crescimento cada vez maior. Com o crescimento da velocidade da produção de conhecimentos científicos, ela acaba por "atropelar" o ser humano. Se, no princípio, a ciência desenvolvia-se para buscar respostas para os problemas de sobrevivência do homem num mundo adverso, com o tempo, ela passa a se desenvolver por si mesma, porque o próprio conhecimento se torna um valor a ser perseguido. Em outras palavras: uma coisa é você precisar dominar determinados conhecimentos para resolver certos problemas (por exemplo: se precisamos encontrar a cura de uma doença, precisamos dominar conhecimentos de biologia, fisiologia humana, farmacologia etc.), outra, muito diferente, é correr atrás de mais conhecimentos simplesmente para ter mais conhecimentos.
No processo histórico do desenvolvimento científico-tecnológico, muita coisa foi produzida visando a melhoria da qualidade de vida das pessoas. Mas muita coisa também foi produzida segundo outros interesses. A bomba atômica é um lamentável exemplo: longe de melhorar a vida, acaba com a vida de milhões de seres humanos. Podemos então perguntar: O que levou os homens a produzi-Ia? Se examinamos os homens de governo, a resposta é clara: a bomba atômica serve como um instrumento de poder, de intimidação, uma forma de dominar os demais. Mas e os cientistas que se envolveram no projeto, também eles buscavam poder? Alguns provavelmente sim, mas a maioria não; estavam tão envolvidos com o desenvolvimento do conhecimento científico que simplesmente não tinham tempo para se preocupar com as suas conseqüências. Podemos mesmo dizer que eles foram "usados" pelos homens de governo, que sabiam muito bem o que queriam.
Isso só foi possível porque, no centro dos valores, já não estava a promoção da vida humana, mas o lucro e o desenvolvimento do conhecimento (que, por sua vez, pode ser uma ótima forma de gerar dinheiro).

Ética, cidadania e possibilidades de futuro
Mas já vimos em capítulos anteriores que os valores são criações humanas e não entidades abstratas e universais, válidas em qualquer tempo e lugar. E que a ética pode ser compreendida como uma estética de si, isto é, como a atividade de construir nossas próprias vidas como um artista pinta seu quadro. Isso significa que construímos nossos próprios valores, colocando nós mesmos como valor fundamental.
O fato de afirmarmos que devemos, cada um de nós, construir a própria vida não deve ser entendido, porém, como um apelo ao individualismo. A afirmação da individualidade, da singularidade de cada pessoa, que deve ser respeitada em suas opções e ações, não significa que cada um deva viver isolado dos demais. A singularidade e a criatividade podem e devem ser preservadas em meio à coletividade. Mas o indivíduo pode ser solidário com seus semelhantes: o filósofo Jean-Paul Sartre dizia que, quando elejo a mim mesmo, estou escolhendo toda a humanidade.
Vamos refletir um pouco sobre essa afirmação. Se escolho a mim mesmo como valor, isto é, como fundamento de minhas escolhas e de meus atos, resolvendo construir minha vida como singularidade, como uma obra de arte, estou, ao mesmo tempo, assumindo que essa condição é possível para todo e qualquer ser humano. Não posso escolher a mim mesmo negando os outros, afirmando que a condição de minha criatividade, de minha diferença, seja a de que todos os outros sejam uma "massa" uniforme. Minha singularidade não pode ser construída sobre a "mesmice" dos outros. Se escolho a mim mesmo, escolho todos os outros que são tão humanos quanto eu, o que faz com que eu deva aceitar que a singularidade seja possível para todos, e a sociedade torne-se uma multiplicidade de diferentes indivíduos criativos.
. O que estamos afirmando é que compreender a ética como uma estética da existência não deve ser visto como uma atitude solitária, particular, mas, sim, como um empreendimento coletivo, solidário: buscar o meu prazer,minha realização, mas também o prazer e a realização do outro.
A sociedade tecnológica, se foi capaz de causar tantos problemas para o homem é, por outro lado, a possibilidade de realização da singularidade.
Até aqui, vivemos a massificação. A criação e o desenvolvimento de meios de comunicação cada vez mais
potentes e abrangentes e o desenvolvimento da informática têm contribuído para que a alienação e a falta de
criatividade e, conseqüentemente, a dominação sejam cada vez mais intensas.
A ficção científica é pródiga em exemplos: o romance 1984, de George Orwell, mostra uma sociedade massificada, em que as pessoas são vigiadas por telas de televisão (que ao mesmo tempo são câmeras: servem tanto para captar nossa imagem quanto para trazer imagens até nós) que estão por toda parte: nos locais de trabalho, nas casas, nas ruas... E aqueles que ousam pensar de forma diferente são logo descobertos e levados para o Ministério do Amor, um imenso prédio destinado à tortura, que promove uma lavagem cerebral no indivíduo, tornando-o apático aos apelos da realidade e apenas mais uma "peça da máquina", sem vontade própria. O curioso é que nesse processo de dominação a linguagem ocupa um lugar de destaque: criam a novilíngua, uma nova língua que resulta da junção de palavras e da conseqüente diminuição do vocabulário. A cada semana é lançado um novo dicionário, cada vez menor, e as pessoas ficam proibidas de usar as palavras que já não têm existência oficial. Isso mostra muito bem que nosso pensamento depende de nossa linguagem: quanto mais rica a linguagem mais produtivo o pensamento. Quanto mais pobre a linguagem...
Mas a realidade não precisa ser essa. Depende de nossas escolhas e de nossas ações o que faremos de nossas vidas e do mundo em que vivemos. Se vivermos como marginais da política, não assumindo nossas responsabilidades pelas decisões de cunho mais amplo, acabaremos por viver um mundo que não queremos e uma vida que não escolhemos. Mas, se resolvermos agir como sujeitos de nossa vida e de nosso mundo, podemos pintar os quadros que nossa criatividade permitir.
Se recolocarmos o ser humano como valor fundamental, a ciência e a tecnologia podem nos permitir ações antes impossíveis. Com as redes de computadores, podemos hoje nos comunicar com qualquer parte do mundo de forma praticamente instantânea. Se tivermos terminais de computador de fácil acesso a toda a população, teremos uma infinidade de informações disponíveis para todos e para qualquer um, o que certamente revolucionará as possibilidades de educação.
A informática possibilita hoje uma prática democrática que nunca antes na história foi possível. Já explicamos em capítulos anteriores que a democracia hoje está restrita a uma representatividade pelo voto: não há como garantir a participação direta de todos. As redes de computadores, por outro lado, permitirão uma ação direta de toda a população, uma efetiva participação na tomada de decisões e também em sua implementação. Um exemplo: o governo está sendo pressionado a tomar uma decisão que significará um grande investimento de dinheiro público, sem que o retorno seja garantido; mas não poderá tomar essa decisão sozinho: precisará consultar toda a população. Em pouquíssimo tempo, será possível que cada um opine, seja em seu computador pessoal, seja em terminais comunitários instalados em locais estratégicos em cada bairro. A responsabilidade da decisão deixa de ser de umas poucas pessoas para ser, de fato, responsabilidade de todos. Poderemos resolver onde aplicar nosso dinheiro e verdadeiramente fiscalizar o que está sendo feito com ele: se reverte em frutos para nós ou apenas para alguns privilegiados. Isso parece ficção científica? Pois os meios tecnológicos para a sua realização já existem; falta o empenho de todos para que se efetive.
No fundo, aquilo que estamos chamando de singularidade é condição básica para a cidadania, e vice-versa. Só podemos ser indivíduos singulares, senhores de nós mesmos, numa sociedade aberta, em que a cidadania exista de fato como participação de todos, assim como só pode haver efetiva cidadania se os indivíduos são livres, singulares e participativos na comunidade.
O futuro está aberto. Se ficarmos na defensiva, esperando que os outros (os "políticos", os cientistas, os filósofos etc.) resolvam as coisas por nós, talvez mais cedo ou mais tarde acabemos por viver numa sociedade muito parecida com aquela descrita por George Orwell em 1984. Mas, se resolvermos tomar as rédeas de nossas vidas particulares e da vida política em geral, ou, para falar em termos filosóficos, se assumirmos com consciência e responsabilidade tanto nossas escolhas éticas quanto nossos atos políticos, estaremos nos constituindo como verdadeiros cidadãos.
É urgente que o ser humano seja recolocado no centro da problemática dos valores. Se formos capazes de fazer isso, a ciência e a informática podem ser instrumentos poderosos tanto para possibilitar uma ação cidadã efetiva quanto para minimizar os problemas da miséria, material e espiritual, que nos assola nesta transição para o terceiro milênio. Acreditamos que a filosofia pode nos guiar por esse caminho tortuoso.

Ética e Política ( Jung Mo Sung)

Ética e política sempre viveram uma relação conflitiva. Esta tensão se reflete atualmente como uma crise de todo sistema político frente aos questionamentos feitos pela sociedade civil a partir de critérios éticos. Para entender a crise do sistema político de hoje, abalado em sua legitimidade por freqüentes escândalos de corrupção, clientelismo, autoritarismo e demagogia, é necessário entender como se constituiu a política moderna e sua relação com a ética.
Política Moderna
Com a passagem da sociedade tradicional para a sociedade moderna há uma ruptura entre moral e política. Nas sociedades tradicionais os princípios morais-religiosos dominavam todas as esferas da vida social. Ou seja, o mesmo conjunto de valores e normas determinava o comportamento do indivíduo em sociedade no seu aspecto econômico, político, artístico, etc. No caso do Ocidente, principalmente durante a Idade Média, era o cristianismo que dava coesão e era o horizonte de sentido que regulava todas as esferas da vida social. Servindo como critério normativo para a conduta, tanto das pessoas como das instituições.
Assim, o teocentrismo vai dominar na orientação das expressões artísticas e filosóficas; o direito divino servia como critério de legitimidade do poder político; no campo econômico, o trabalho era visto como uma forma de mortificação do corpo para alcançar a vida eterna, e assim por diante.
Com a modernidade, que tem início no século XV, inicia-se um processo de racionalização de todas as esferas da vida, que não é mais explicada por imagens religiosas, mas por métodos científicos baseados na experimentação e no cálculo matemático. Este tipo de racionalidade, também conhecida como razão instrumental, não está preocupado em discutir à moralidade dos objetivos, mas somente a eficácia dos meios para atingi-los.
Este tipo de racionalização ocorre tanto na economia como na política e em outras esferas da vida. Por exemplo, até mesmo os esportes, que só tinham um caráter lúdico e cujas regras eram informais e bastante mutáveis, passaram a ter regras formais e rígidas válidas para todos os lugares e se transformaram em instituições empresariais: com fins lucrativos.
Somente no capitalismo moderno é que surge uma empresa permanente estruturada racionalmente para produzir lucro. Esta racionalidade no interior da empresa é assegurada também fora dela através das normas jurídicas e da administração racional do Estado.
O Estado moderno ganha a função de salvaguardar (ou modificar) a distribuição do poder, e a ética moral dá lugar à ética política. Nicolau Maquiavel (1469-1527) foi um dos primeiros filósofos a perceber a especificidade da política moderna. Até a sua época os estudos sobre a teoria do Estado e da sociedade vinculavam-se à moral e deixavam de lado o estudo da realidade concreta. Construindo modelos ideais de um bom governo e de uma sociedade justa.
Para Maquiavel a diferença entre a ética moral e a ética política é que a primeira está preocupada com os fins, enquanto a ética política está preocupada com os meios. A ética política não está interessada em quais são os propósitos e as intenções (por melhores que sejam) dos governantes. mas sim em como fazer para ascender e permanecer no poder. Aquele que quiser fazer profissão de santidade deve procurar uma Igreja, e não a política. Pois, para ele, o que pode ser considerado como imoral do ponto de vista ético, pode não o ser do ponto de vista político, já que a política possui um fim em si mesma: manter a ordem e as instituições de poder. É preciso que o governante aprenda até mesmo a ser mau para que possa valer-se disso, segundo a necessidade.
Não queremos dizer que toda política e os políticos sejam “imorais”. Nas questões políticas, os problemas morais raramente são levados em conta como critérios de decisão. A política moderna pretende ser amoral, ou seja, reger-se por critérios objetivos de decisão, e não por valores. Ela visa meios, e não fim. Quando um governo decide aumentar os impostos que vão incidir sobre as classes populares, ele realiza um cálculo político sobre os custos e os benefícios dessa medida. Ele não se pergunta sobre a justiça de sua ação, que vai empobrecer ainda mais os pobres e deixar intocadas as fortunas dos ricos. Possivelmente deverá estar pensando que uma boa estratégia de propaganda poderá reduzir os efeitos negativos da medida e os deixará bem com os ricos, que são os que financiam as campanhas da maioria dos políticos.
Muitas vezes ficamos espantados com a insensibilidade dos governantes frente aos graves problemas sociais. É possível que eles sejam até sensíveis a estes problemas, mas o sistema político como tal é, por definição, racional e impessoal. Sendo assim, ser um político "virtuoso" não é ser uma "pessoa boa", mas sim conseguir manter-se no poder e tirar o máximo de proveito dessa situação.

A Burocratização do Estado
Na modernidade ocorre uma separação entre público e privado através da formalização do direito e da administração pública, que passou a ser exercida por funcionários sujeitos à lei, e não mais através de um regime de castas ou de compadrio.
Os assuntos privados só se tornam políticos quando põe em risco o bom andamento das instituições. Essa separação significou um avanço na democratização da política, pois com a racionalização do poder político do Estado as questões políticas ficaram desvinculadas da vontade do soberano. Antes dessa formalização, o Estado se confundia com a pessoa do rei, que detinha o poder absoluto. A luta dos setores que estavam marginalizados das decisões políticas levou ao fim do absolutismo e a uma crescente democratização do poder. Hoje há um maior acesso às informações, possibilitando um maior debate pelos cidadãos das questões que afetam a vida da sociedade e uma maior capacidade de pressão sobre as decisões.
A contra partida desse processo foi o excesso de racionalização do Estado, atribuindo um poder cada vez maior à burocracia, isto é, um aumento do poder do corpo estável de funcionários e técnicos responsáveis pelo funcionamento da máquina do Estado. Com a burocratização da administração no Estado moderno, muitas das decisões passaram a ser tomadas por funcionários de cargos burocráticos, transformando as questões políticas em questões meramente técnicas, afastando assim a maior parte da população das discussões sobre as políticas públicas. O eleitor já foi convidado a opinar sobre onde deve ser construída uma escola ou qual a melhor educação para seus filhos, ou que atividades culturais deveriam ser realizadas no seu bairro? Seguramente muitos tecnocratas estão tomando decisões como esta todos os dias e a única coisa que podemos esperar é que tenham um mínimo de bom senso.
Aqui constatamos uma das contradições do sistema político moderno. A formalização do poder político visava a passagem do poder de um (absolutismo) para o poder de todos (democracia). Só que esta mesma formalização propiciou o afastamento do povo das decisões através do fortalecimento da burocracia estatal e da democracia indireta. Esta contradição é uma das causas da crise do sistema político moderno.

A Crise do Sistema Político
Historicamente, na tentativa de corrigir os excessos de racionalização do poder e para que este atendesse não só aos interesses dos capitalistas, mas também às demandas sociais dos pobres, os trabalhadores empreenderam, principalmente a partir da segunda metade do século XIX, uma intensa luta pela democratização do Estado, organizando-se através de sindicatos e partidos socialistas.
Este movimento gerou grandes revoluções e os primeiros países socialistas da história (URSS, Vários países do Leste Europeu, China, Cuba) e a constituição da social-democracia nos países capitalistas com o chamado Estado de bem-estar social (principalmente na Europa). Nos países socialistas, estas conquistas visavam aumentar o controle dos trabalhadores sobre a burocracia estatal e alargar o campo da democracia direta (participação nas decisões do governo através de conselhos populares), e diminuição da democracia indireta (eleição de representantes) até que o Estado, enquanto instituição de poder, desaparecesse, dando lugar a organizações comunais, onde todos participariam.
Não cabe aqui discutir toda a complexidade de fatores que levaram à crise do socialismo; o certo é que, ao invés de proporcionarem uma maior democratização da política, produziram o efeito contrario, com crescimento ainda maior da burocracia estatal. Este crescimento levou à burocratização dos países socialistas e à instituição do terror do Estado, a tal ponto que o Partido Revolucionário acabava se confundindo com o Estado, e este com os interesses do povo. Qualquer crítica que se fizesse ao partido ou ao governo era vista como alta traição, liquidando desse modo com qualquer forma de democracia.
No caso dos países capitalistas ocorre um processo semelhante através da tecnificação do sistema político. No capitalismo o Estado acabou por ter de compensar os efeitos perversos da economia de mercado gerados pelo sistema capitalista. Neste caso, o Estado funciona como uma "válvula ele escape", impedindo que o sistema capitalista entre em uma crise generalizada, contendo os efeitos negativos do sistema através das políticas públicas (seguro desemprego, previdência social, socorro às empresas nas crises econômicas etc.). As questões políticas viram-se cada vez mais transformadas em questões econômicas de responsabilidade da burocracia de técnicos do Estado. Já há muito tempo as discussões políticas são faladas em um "economês" que escapa à compreensão do cidadão comum.
Com a tecnificação da política as pessoas não se sentem estimuladas a participar da vida política do país, e quando querem dificilmente encontram canais para isso. O resultado disso é a apatia que se expressa no crescente desinteresse do eleitorado em votar em seus representantes e em criar meios institucionais de fiscalização da ação política de seus mandatários. Dificilmente as pessoas se lembram sequer em quais parlamentares votaram na última eleição.
Tal apatia facilita a ação dos grupos de interesse, como empresários, fazendeiros, banqueiros, etc., que direcionam a ação do Estado para atender a interesses privados. Assim, o Estado que deveria representar o interesse público, se distancia de sua função, servindo de meio para a acumulação do capital. A suposta "neutralidade" do Estado serve na verdade para mascarar este processo de privatização da esfera pública.
Este quadro configura a atual crise do sistema político. De um lado os cidadãos têm uma ação cada vez mais limitada na esfera pública, caindo no individualismo e na apatia, levando à perda de legitimidade do sistema político. De outro, os políticos, com raras e honrosas exceções, fazem da coisa pública um negócio privado, buscando o enriquecimento pessoal, trabalhando para favorecer os interesses dos grandes grupos econômicos. Os escândalos de corrupção, fraudes em concorrências públicas, desvio de verbas... parecem ser parasitas que vivem nos órgãos público dos Estados de todo mundo. Frente a este quadro nada animador, em que a ética poderia contribuir para corrigir os excessos de racionalização da política?

A Ética na Política
Como já dissemos, a racionalização da política, com um sistema de tomada de decisões por representantes escolhidos pelo povo, liberdade de imprensa e regras do jogo claras asseguradas constitucionalmente, significou um grande avanço em relação aos sistemas tradicionais, onde o poder político era instrumento exclusivo de uma elite. Não é nossa intenção que a política venha a ser controlada por imperativos morais da velha sociedade tradicional. O objetivo da crítica ética não é só o de mostrar o quanto a política se afastou dos princípios morais, mas também de seus próprios princípios.
Com a tecnificação da política ocorre uma contradição: parte-se do principio de que a política é regida por normas "neutras" e objetivas, e que, portanto, seriam imparciais. Só que o discurso da "imparcialidade" serve para esconder o favorecimento de um grupo: o dos que controlam o poder político direta ou indiretamente. Não existem instituições, sejam políticas, educacionais ou, científicas, que sejam "neutras" ou "amorais".


A questão é saber quem se beneficia dessas instituições.
O Estado, como coisa pública, deve servir ao bem comum e não a fins privados. Nesse sentido, para que a critica ética das instituições se torne eficaz, deve-se exigir a moralização da coisa pública através dos meios que são próprios ao jogo político,
Vimos que nas sociedades contemporâneas o sistema político se tornou cada vez mais refém da burocracia estatal, afastando o cidadão comum da discussão e da participação nas decisões que vão incidir diretamente sobre a sua vida. O resultado de tudo isso foi, em grande parte, o aumento da ineficiência do Estado em atender às demandas sociais e o desvio do dinheiro público. Tais efeitos são suficientes para mostrar que, sem uma ação que retome o princípio de que a política existe para servir ao bem comum de toda sociedade, dificilmente esse quadro mudará.
Ética na política não significa, portanto, pretender abolir o sistema político, mas transformá-lo, corrigindo o excesso de formalização do sistema, dando-lhe vida nova através da participação da sociedade civil.
Infelizmente a humanidade ainda não inventou outro sistema de regulação dos conflitos que não a política, o sistema político está longe de ser perfeito e possivelmente nunca o será, já que é um sistema de articulação de interesses onde as várias forças sociais nem sempre estão dispostas a reconhecer que o interesse do outro possa ser mais importante do que o seu.
Como dificilmente uma pessoa que tem mau hálito se dá conta disso se não for alertada por outra pessoa, também o sistema político dificilmente capaz de auto-correção. É preciso que este seja forçado a se corrigir. Esta força corretiva ocorre através dos vários movimentos sociais que, movidos por imperativos éticos, atuam no sentido de fiscalizar e reverter às prioridades dos governos. Recentemente a sociedade organizada demonstrou que é possível derrubar até mesmo um presidente acusado de práticas de corrupção. Não é à toa que o movimento pelo impeachment do ex-presidente Collor se chamava "movimento pela ética na política".
A solução da crise política passa necessariamente pelo reconhecimento de que não se trata apenas de uma questão que envolve melhorias nas regras do jogo, mas que as regras devem ser mudadas. O sistema político não deve ser visto como algo totalmente autônomo e independente da sociedade. O Estado existe para atender à sociedade civil, e não o contrário. Precisamos de mudanças que confiram um maior controle da sociedade sobre os órgãos públicos, como os conselhos de fiscalização ou um código de ética no qual os políticos se obrigam a cumprir os programas e promessas de campanha. Medidas práticas que visam corrigir as distorções do sistema político e que só se tornaram realidade com as organizações e mobilizações populares.
Estas mudanças devem ocorrer também em nível individual. A existência de maus políticos se deve também à falta de consciência dos cidadãos em cumprir com suas responsabilidades sociais. A conscientização da população, de que ela não é só vítima do sistema político, mas também, um dos responsáveis pela falência do sistema, é um primeiro passo a ser dado no sentido dessa mudança individual.

Ética e Economia (Jung Mo Sung)

"Business is business!" (Negócio é negócio!), ou, "amigos, amigos, negócios à parte!" são frases que revelam uma das características centrais das nossas sociedades modernas. Elas mostram a separação que existe entre a amizade (e os valores morais) e a racionalidade econômica. Não somente a separação, mas a subordinação dos valores como a amizade à racionalidade econômica. Quando a amizade entra em conflito com interesse econômico, é esse que prevalece em detrimento do primeiro.
Nas sociedades tradicionais não havia essa separação. A economia era vista como um meio para a reprodução da vida. As pessoas trabalhavam para viver; e não viviam para trabalhar, como nos nossos dias. E para viver precisavam de amigos e do trabalho. Ética e atividades econômicas eram inseparáveis. Isso fica mais compreensível se levarmos em conta que nas sociedades pré-industriais era muito difícil alguém sobreviver isolado de uma comunidade familiar ou de amigos.
Nas nossas sociedades modernas capitalistas, com o mito do progresso, a economia passou a ser um fim em si mesma. As pessoas não trabalham mais para viver, mas vivem para trabalhar e ganhar dinheiro. As pessoas se perguntam "como ganhar dinheiro", mas dificilmente se perguntam "para que ganhar dinheiro". Diante dessa pergunta inconveniente, respondem quê e para ganhar mais dinheiro ou para poder comprar muitas coisas. Mas comprar é trocar dinheiro por um outro tipo de riqueza. No fundo, continua no mesmo objetivo de acumular riquezas. A pergunta "para que acumular riquezas" é inconveniente e até sem sentido para os que interiorizaram a cultura capitalista porque é "óbvio" que a acumulação infinita é o que dá sentido à vida. Dizemos "acumulação infinita", sem fim, não somente porque os teóricos do sistema capitalista usam explicitamente essa expressão, mas também porque se a acumulação tivesse fim, um limite preestabelecido, ela acabaria sendo um meio para um objetivo mais importante.
Quando a acumulação da riqueza passa a ser o objetivo maior de um grupo social, a lógica econômica passa a ser o centro da vida e o principal critério de discernimento para as questões morais.

Racionalidade do Mercado
Esses fatos exigiram a criação da moderna ciência econômica. No início, a economia foi definida como a ciência que busca a melhor utilização dos recursos econômicos escassos (terra, matérias-primas, mão-de-obra. máquinas, tecnologia) em vista da reprodução da vida humana e dos fatores de produção (natureza, máquinas). Com o passar do tempo, a ciência econômica, nos países capitalistas, passou a ser entendida como a teoria que busca a utilização ótima dos recursos escassos em vista da acumulação infinita.
Aqui temos uma contradição importante. Tem-se como objetivo a acumulação infinita que vai possibilitar a
realização de todos os desejos (o Paraíso), ao mesmo tempo em que se reconhece que os meios que temos para isso são escassos, isto é, finitos. Busca-se um objetivo infinito com meios finitos. É uma contradição que a maioria ignora. Existem, é claro, economistas que reconhecem os limites da natureza. Mas, na medida em que eles não querem abdicar do objetivo da acumulação infinita, tentam superar esta contradição dizendo que o conhecimento humano é infinito. E que a infinitude do conhecimento vai "driblar" a finitude da natureza e permitir a acumulação infinita. Mas se o ser humano é finito, como ele pode ter um conhecimento infinito? Essa é mais uma das perguntas "inconvenientes" evitadas por esses economistas.
Voltando à racionalidade econômica capitalista, é comum ouvirmos falar em "leis do mercado”. Essas leis são apresentadas quase como leis naturais ou divinas, pois elas são inquestionáveis, tudo é legitimado em nome delas. Para evitar mal-entendidos é preciso distinguir o "mercado" de "sistema de mercado". Mercado é o lugar onde acontecem trocas econômicas. Ele existe desde que os primeiros grupos humanos conseguiram produzir determinados bens muito mais do que necessário e começaram a trocar por outros produtos com grupos vizinhos. Nas sociedades pré-capitalistas o mercado ocupa um lugar secundário na economia. A produção está voltada principalmente para a satisfação das necessidades da comunidade produtora, e somente o excedente é destinado ao mercado. A simples existência de mercado não caracteriza uma sociedade como capitalista.
No capitalismo vigora o "sistema de mercado", isto é, o mercado é o coração da economia. Tudo gira em torno do mercado. Os produtores não produzem para o seu consumo, mas sim para trocar no mercado. O mais importante na produção de mercadorias (produtos feitos para venda no mercado) não é a satisfação de alguma necessidade das pessoas, mas sim a satisfação dos desejos dos consumidores.

O Consumidor e a Ética
O conceito de "consumidor" é fundamental na economia capitalista. Tudo está em função dele. As modernas teorias de administração de empresas dizem que o negócio de todas as empresas é a satisfação de clientes. Supermercado, siderurgia, farmácia, etc. São vistos como ramos deste único negócio.
O que não podemos esquecer é que "consumidor" não é sinônimo de cidadão ou de ser humano. Consumidor é o ser humano que tem dinheiro para entrar no mercado. Aqueles que não têm não são consumidores e estão fora do mercado. As mercadorias não são destinadas à satisfação das necessidades e desejos da população, mas sim dos consumidores.
Paul A. Samuelson, Prêmio Nobel de Economia, num livro clássico, Introdução à análise econômica, disse que, como as mercadorias vão para onde há maior numero de votos, isto é, para aqueles que têm maior poder aquisitivo. "O cachorro pertencente a J. D. Rockfeller pode receber o leite que uma criança pobre necessita para evitar o raquitismo" (Rio de Janeiro, Ed. Agir, 8ª ed. 1977, vol. 1. p. 45). Esta é uma situação que interpela a todos, não importando se é favorável ou não ao sistema capitalista. Samuelson se pergunta se é resultado de um mau funcionamento da lei básica do sistema de mercado, a oferta e a procura. A sua resposta é exemplar: "É possível que estejam funcionando de uma maneira terrível, do ponto de vista ético, mas não do ponto de vista daquilo que só o mecanismo do mercado é preparado para realizar" (idem).
Esta inversão, onde um cachorro saudável tem mais direito ao leite do que uma criança raquítica, é justificada em nome das leis de mercado. É claro que, como o próprio Samuelson reconhece essa legitimação entra em contradição com qualquer postura ética. Por isso, ele simplesmente descarta a ética da discussão econômica.
Quando se coloca o mercado como o centro da vida econômica e social e absolutiza as suas leis, não há nenhum espaço para a indignação ética diante de um fato desumano. Do ponto de vista da racionalidade econômica capitalista, a defesa do direito de sobrevivência desta criança pobre é irracional.

A Concorrência e o Cinismo
Uma outra característica central do sistema de mercado capitalista é a concorrência, a sobrevivência do mais forte/competente. Hoje é muito comum ouvirmos ardorosas defesas da "livre concorrência" por aqueles que acreditam que o mercado tem solução para todos os nossos problemas econômicos e sociais. Essa defesa incondicional da livre concorrência faz parte do mito do progresso. Como vimos acima, segundo esse mito a humanidade conseguirá chegar ao paraíso, à acumulação infinita que possibilitará a satisfação de todos os desejos, através do progresso tecnológico. Quanto mais progresso técnico, mais perto do paraíso. O segredo está na maximização do progresso.
Para se obter o máximo de progresso é preciso que os mais competentes estejam à frente dos negócios. Pois os menos competentes só atrasariam o ritmo do progresso. E a concorrência é exatamente o processo de seleção dos mais competentes ou fortes. A concorrência também tem uma outra função. Como o mundo é finito, de bens escassos, não é possível que todos satisfaçam o seu desejo de acumulação infinita. À primeira vista, um indivíduo só pode realizar esse seu desejo na medida em que ele derrota os seus concorrentes nessa corrida sem fim. Assim, a concorrência nasce desse conflito de interesses. Na verdade, ninguém vai poder satisfazer o desejo de posse infinita. Mas, enquanto não se chega a essa conclusão, a concorrência é vista como o caminho natural para a realização de todos os desejos.
Essa lógica da concorrência gera uma continua ansiedade e tensão nos que ainda estão lutando dentro do mercado, e dificuldades de sobrevivência para aqueles que são expulsos do mercado. Pois, numa sociedade em que toda a produção está voltada para o mercado, estar fora do mercado significa não ter acesso aos bens necessários para a sobrevivência.
Mas na medida em que esta realidade social é aceita como "a" realidade, como a única possível, acaba gerando conformidade nas pessoas e um certo sentimento de segurança. E o sofrimento, a miséria e a morte dos excluídos do mercado são vistos e legitimados como "sacrifícios necessários" para o progresso econômico da sociedade.
A sensação de "normalidade" diante da realidade social leva, muitas vezes, a uma atitude de cinismo, de pensar que as coisas são assim mesmo ou que "eu não tenho nada a ver com isso", diante dos graves problemas sociais gerados pela lógica do mercado. Problemas esses que não se pode esconder ou negar, por mais que se construam muros em torno dos condomínios fechados ou de outros espaços "prives". Pois os pobres que nunca puderam participar dos benefícios e chances proporcionados pelo mercado e os mais "fracos" que foram sendo expulsos do mercado continuam ainda a fazer parte da sociedade. Só que sem possibilidades de uma vida digna.
Postura de cinismo ou indiferença frente aos problemas sociais e às dificuldades de sobrevivência dos que estão fora do mercado, é o outro lado da moeda da expulsão da ética das discussões econômicas, ou da substituição da ética pela técnica econômica.

Egoísmo como Altruísmo (amor ao próximo)
Adam Smith (1723- 1790) foi o grande economista e filósofo moral que fundamentou teoricamente esta separação entre ética e economia. .Na sua obra clássica, A riqueza das nações (1776), ele expôs uma teoria ética e antropológica que serviu de base para toda economia liberal e neoliberal.
Segundo essa teoria, uma das características do ser humano que o diferencia dos outros animais é a propensão para trocar uma coisa pela outra. Dessa propensão surge como uma conseqüência necessária a divisão do trabalho, da qual derivam vantagens e riquezas. Uma outra diferença entre seres humanos e outros animais consiste no fato de que quase todos os animais se tornam independentes e auto-suficientes quando atingem a maturidade, enquanto que nós humanos precisamos quase constantemente da ajuda de nossos semelhantes.
A divisão do trabalho e a necessidade de ajuda de outros estão na base dos problemas de convivência humana em grupos e, portanto, na base dos problemas morais. Como vimos anteriormente, a necessidade de uma moral surge exatamente do fato de que não é possível uma convivência social sem um mínimo de espírito de solidariedade com outros. Não se pode organizar e viver num grupo social baseado somente no egoísmo, na defesa do interesse pessoal e imediato. Pois, a sobrevivência do individuo depende em parte da sobrevivência do próprio grupo. Mas como os impulsos egoísticos são mais fortes do que os altruístas, as sociedades elaboram e impõem leis morais para regular estas relações.
A novidade do capitalismo e da teoria de Adam Smith consiste exatamente em propor uma nova solução para os problemas da convivência em grupo. Adam Smith parte do pressuposto de que numa sociedade civilizada o ser humano necessita da ajuda e cooperação de grandes multidões, e é impossível fazer amizade com todas elas para esperar delas benevolência. Então ele defendeu a tese de que, se mostrarmos ao outro que lhe é vantajoso nos dar o que precisamos, teremos muito mais probabilidade de obtermos o que queremos. No fundo, ele defende a idéia que o bem-estar da coletividade é melhor obtido se apelarmos não ao altruísmo dos indivíduos, mas se incentivarmos a defesa dos seus interesses econômicos próprios nas relações de mercado. Isto é, não é apelando à benevolência do padeiro e do açougueiro que teremos melhores produtos para nossas refeições, mas sim aos seus interesses econômicos.
Essa tese tem como pressuposto a ideia de que o interesse individual é a motivação fundamental da divisão social do trabalho e da acumulação de riqueza, causas últimas do crescimento econômico e, portanto, do bem-estar coletivo. Assim, o interesse particular (a maximização do lucro) de uma classe (a capitalista) passa a ser identificado com o interesse geral da coletividade.
Aqui temos uma grande transformação. O egoísmo (a defesa do interesse próprio) é apresentado como a melhor forma de solucionar os problemas antes resolvidos pelo altruísmo e espírito de solidariedade entre os membros do grupo. O egoísmo é apresentado como a nova forma de altruísmo ou amor ao próximo.
Se o bem-estar da coletividade - o objetivo da moral numa sociedade - é obtido pela defesa do interesse próprio, não há mais necessidade nem sentido falar da ética. Pois só tem sentido falar da ética quando se assumem valores que estão acima das regras econômicas vigentes. Como no capitalismo as leis do mercado (a defesa do interesse econômico próprio, a livre iniciativa e a livre concorrência) são apresentadas como o melhor e único caminho para convivência social e progresso, não há mais sentido falar da ética. Principalmente em éticas que questionam a dinâmica da economia de mercado, como vimos acima, no caso do leite do cachorro e a criança pobre.
O resultado prático de tudo isso é que a eficácia econômica do sistema de mercado passou a ser critério supremo para todos os juízos morais. Com a identificação da eficácia - um critério técnico - como o critério ético supremo, a discussão ética foi reduzida a uma questão técnica.
Esta nova visão sobre o ser humano, a economia e a ética tornou-se hegemônica na nossa sociedade e a interiorizamos no nosso processo de socialização. E os meios de comunicação de massa a reforçam apresentando a nossa realidade e dinâmica social como "a" realidade, e criticando como irracionais ou sem sentido todas as propostas alternativas.

Retorno da Ética na Economia
Contudo, o debate sobre a ética na política e nas questões sociais e econômicas ressurgiu com força nos últimos tempos. Isso se deve a alguns fatores.
Em primeiro lugar, a promessa da solução de problemas econômicos e sociais pelos mecanismos de mercado não foi cumprida, não só nos países do Terceiro Mundo, mas também nos países ricos. Hoje é cada vez maior o número de pobres e miseráveis também nos Estados Unidos. O alto número de desempregados sem nenhuma perspectiva de emprego, pobres que nunca tiveram chance de se integrar no mercado, menores de rua, corrupção e outros graves problemas sociais ainda despertam em muitos uma indignação ética. É a manifestação da nossa liberdade, da nossa capacidade de imaginarmos um mundo diferente e melhor, da nossa rebeldia diante do que é, mas que não deveria ser.
O desejo de acumulação infinita e de consumo sem limites exige uma exploração desenfreada dos recursos naturais escassos. Por mais que se queira esquecer que o meio ambiente é finito, limitado, não se pode esconder este fato por muito tempo. A destruição de toda uma floresta, na ânsia de maximizar o lucro, tem custos ecológicos que ameaçam não somente a empresa devastadora, mas toda a população. O interesse imediato deste tipo de empresa entra em conflito com os Interesses da coletividade. O debate sobre este conflito e o controle social sobre a agressão ao meio ambiente é uma questão ética fundamental nos dias de hoje.
O interessante neste retorno da ética à esfera pública é que ela não ficou reduzida aos contestadores da atual ordem social. Também no meio empresarial se discute muito a questão ética. Já existe uma grande bibliografia sobre "ética na empresa", e a maioria de importantes faculdades de administração de empresas está adotando nos seus currículos a disciplina "ética". O que era impensável até o final da década de 80.
Os próprios ardorosos defensores da cultura capitalista perceberam que não se pode levar muito a sério a tese de que a defesa do interesse individual gera o bem-estar da coletividade. Com a difusão e aceitação generalizada desta tese na sociedade, os indivíduos que trabalham nas empresas começaram também a defender os seus interesses particulares sem levar em consideração o interesse da coletividade em questão, a empresa. Com isso, os executivos passaram a defender mais os seus interesses particulares do que os dos acionistas, gerando sérios problemas de corrupção e investimentos "duvidosos" de dinheiro das empresas privadas.
Além disso, quando o espírito da defesa do interesse próprio é o mais forte numa empresa, é impossível criar o espírito de equipe, um item fundamental para aumentar a produtividade da empresa, tão necessária num mercado competitivo.
Basicamente estes dois problemas levaram os executivos.e os teóricos da administração a voltarem a se debruçar sobre questões éticas. Perceberam que a ausência de ética e a simples defesa do interesse próprio põem em perigo a sobrevivência das empresas e, portanto. dos seus próprios empregos. É o instinto de sobrevivência falando mais alto que teorias aprendidas nas escolas.

Ética e qualidade de vida
É uma pena que a atual discussão sobre a ética nas empresas e nos negócios esteja reduzida ao objetivo de maximizar o lucro da empresa. É preciso ir mais a fundo, tirar todas as lições possíveis desta situação. Se é verdade que um empregado não mantém o seu emprego com a falência da sua empresa, também é verdade que uma empresa terá muitas dificuldades com "falência econômica e social" do país. Sem falarmos no fato de nenhuma empresa poder sobreviver após a destruição total do meio ambiente.
Assumir a importância do debate da ética na economia significa levar em conta a existência de conflitos entre a necessidade e o direito a uma vida digna na sociedade e o desejo de maximização do lucro do indivíduo ou de uma empresa. Conflito que não pode ser negado com a simples eliminação de uma das partes, pois isso resultaria também na eliminação da outra.
Todos nós fazemos parte de uma sociedade e também da natureza. Crise na sociedade ou na natureza significa também problemas em nossas vidas. E a solução de problemas sociais não se dá com a absolutização dos interesses pessoais. Necessitamos recuperar o sentido da vida em coletividade, e, portanto, da ética. Para isso precisamos "desinverter" a equação "viver para trabalhar ou acumular riqueza"; e redescobrir que a economia deve estar em função da qualidade de vida dos seres humanos.
Para isso precisamos também superar o mito do progresso infinito e o desejo de acumulação infinita. Nós
somos seres finitos, vivendo num mundo com seus limites. Assim podemos descobrir que a quantidade de consumo e de riqueza não é necessariamente sinônimo de qualidade de vida. E que a sociedade é mais humana, não porque acumula muita riqueza nas mãos de poucos, mas sim porque possibilita a todos uma vida digna e, portanto, uma convivência social mais harmoniosa, fraterna e justa.
Devemos estabelecer um debate na sociedade para definirmos se o objetivo principal da nossa economia hoje deve ser a acumulação de riqueza, que possibilita a grupos minoritários níveis de consumo semelhantes aos dos ricos dos países ricos, ou a superação da pobreza e dos nossos graves problemas sociais. Pois a
organização da economia para acumular riqueza é diferente da organização da economia para superar a pobreza.
Estabelecer este tipo de debate ético a respeito dos rumos da nossa economia não significa acabar com o mercado. Pois não se pode organizar uma economia nas sociedades modernas sem relações de mercado; mas de introduzir a ética na economia, de tentar estabelecer um certo controle da sociedade sobre os objetivos e as dinâmicas de atividades econômicas.

Bioética (Jacqueline Russ)

A Bioética vem das palavras ethikos (ética, em grego) e de bios (Vida, em grego). O jurista Pierre Deschamps afirmou que a bioética é a ciência normativa do comportamento humano aceitável no campo da vida e da morte. David Roy definiu a bioética como o estudo interdisciplinar do conjunto das condições que uma gestão responsável da vida humana (da pessoa humana) exige, no quadro dos progressos rápidos e complexos do saber e das tecnologias biomédicas. Guy Durand: a bioética designa a investigação do conjunto das exigências do respeito e da promoção da vida humana e da pessoa, no setor biomédico.
Para facilitar a discussão, proponho dez considerações. As cinco primeiras expõem as principais questões éticas que, no meu modo de ver, a situação atual da biotecnologia suscita. As outras cinco expõem os elementos fundamentais de uma proposta ética que pretenda buscar respostas válidas aos desafios propostos.

A genética e os problemas éticos ( Marilena Chauí)

Vimos, no final do Capítulo 7, que, para os humanos, vida e morte não são apenas acontecimentos biológicos, mas simbólicos. Por isso mesmo, desde os meados do século XX, o grande desenvolvimento de uma ciência diretamente ligada à vida, a genética, passou a ter implicações éticas muito significativas.
De fato, o caso da genética e da engenharia genética, a partir dos estudos dos genes e do surgimento das tecnologias gênicas, é duplamente importante para nós porque, como explicam Suzuki e Knudston, a genética moderna conferiu aos seres humanos um grande poder sobre a hereditariedade, trazendo técnicas para conhecer os genes das espécies vegetais e animais, para decifrar as mensagens químicas cifradas das moléculas gênicas e até para modificar genótipos individuais. Têm sido enormes os benefícios desses conhecimentos na medicina, na indústria, na agricultura, modificando a visão que o homem possuía de seu lugar na natureza - ele não é o “rei da Criação”, mas um elo na milenar e longuíssima cadeia da vida - e na própria definição do que é um ser humano.
A biologia molecular, descobrindo a origem da vida, abalou os alicerces dos mitos, das religiões, da sabedoria tradicional e dos valores humanos. Por isso mesmo, sugere questões sem precedentes para a ética, a começar pelo fato de que, na sociedade contemporânea, a pesquisa científico-tecnológica e suas aplicações não dependem da vontade e da decisão de indivíduos e sim das grandes corporações empresariais e das instituições militares (o complexo militar-industrial, de que falamos ao estudar a ciência e a técnica), que possuem os recursos e a perícia técnica necessários para se aproveitar das novas pesquisas e das novas tecnologias. Em vista do aumento do lucro e do poderio militar, apropriam-se privadamente dos resultados científico-tecnológicos, mantidos como segredos, e, sem prestar contas a ninguém, tomam decisões que afetam todas as formas de vida do planeta.
Essas decisões envolvem inúmeros problemas, dos quais vamos aqui destacar dois:
1.a responsabilidade moral e os limites do conhecimento genético contemporâneo
Os conhecimentos desenvolvidos nessa área do saber, ainda que imensos e cientificamente revolucionários, são ainda muito pequenos e incertos. No entanto, precipitadamente, já têm propiciado ações sobre espécies vegetais e animais e sobre o homem, sem que se possa prever os efeitos futuros dessas intervenções.
O chamado caso da “doença da bolha” pode servir de exemplo aqui. Os que sofrem dessa doença possuem graves problemas imunológicos, isto é, seu organismo não produz glóbulos brancos que sirvam de anticorpos que o proteja de agressões do meio ambiente. Para conservar em vida essas pessoas, elas são confinadas desde o nascimento em ambientes de assepsia perfeita e completa (a “bolha”) e não entram em contato direto com nenhuma outra forma de vida, nem mesmo humana. Tem sido considerado um sucesso um experimento genético realizado para alterar as células das crianças nascidas com esse terrível problema, de maneira que possam fabricar os glóbulos brancos ou leucócitos e levar uma vida normal. Infelizmente, algumas dessas crianças agora estão morrendo pelo problema contrário, isto é, por leucemia ou fabricação excessiva de leucócitos.
O outro exemplo é o do chamado “milho transgênico”, isto é, a alteração genética para a obtenção de uma espécie de milho que resiste a pragas e demais problemas ambientais. A difusão da produção artificial dessa única espécie tem levado ao abandono das muitas outras variedades naturais de milho, pois, do ponto de vista do mercado, são menos lucrativas do que aquela que parece resistente a todos os males. Além dos desequilíbrios dos ecossistemas das regiões em que as outras espécies de milho deixaram de ser cultivadas e dos riscos de miséria nessas regiões que se tornaram improdutivas, ainda podemos perfeitamente supor que nada impede que um problema ambiental novo apareça e destrua subitamente a espécie única de milho. Como as outras espécies foram abandonadas, terão desaparecido e pode acontecer que, um dia, o milho desapareça da face da Terra e com ele o ecossistema envolvido.
Tendo em vista a proliferação dos vegetais transgênicos (como o caso da soja e da laranja, entre outros) e o abandono da biodiversidade natural em proveito de espécies únicas, não podemos deixar de levantar a hipótese de alterações ambientais que provoquem a extinção de várias dessas espécies únicas com efeitos gigantescos não somente sobre a vida humana (fome, miséria, doenças, mortes), mas sobre todo o planeta.
Como dizem Suzuki e Knudston:
Estamos tentando explorar conhecimentos recém-adquiridos sem ter, freqüentemente, a mais vaga idéia acerca das conseqüências a longo prazo de nossas tecnologias.
Em outras palavras, a aplicação dos conhecimentos pode estar ferindo o princípio ético da responsabilidade.
2. algumas questões éticas sobre o controle da hereditariedade
As aplicações das tecnologias gênicas ou a engenharia genética colocam problemas éticos de grande envergadura que não podem ser ignorados, sobretudo a partir do momento em que se passou a seqüenciar o genoma humano (o genoma é o conjunto de cromossomos que contêm os genes que os ascendentes transmitem aos seus descendentes ao longo da história de uma espécie). De fato, os cientistas que pretendem seqüenciar o genoma humano acreditam chegar a um conhecimento que nos livre de dores e sofrimentos, cure doenças, prolongue a juventude e adie a morte, graças ao aperfeiçoamento da própria espécie humana com o controle sobre a hereditariedade (o famoso ADN, que costuma ser mencionado e popularizado na sua forma em inglês, isto é, DNA). ADN, ácido desoxirribonucléico, é a molécula que forma a dupla hélice portadora dos genes. É a molécula hereditária principal na maioria das espécies.
Um dos problemas éticos mais graves trazidos pela genética encontra-se na chamada “sondagem gênica”, por meio da qual se pretende detectar, por exemplo, pessoas que teriam genes que as predisporiam para a criminalidade ou as que teriam genes que as predisporiam para certas doenças ligadas a certos tipos de trabalho. Por isso, tais pessoas não deveriam ser empregadas. Essas pessoas não só teriam recebido por hereditariedade a “tendência ao crime” ou a “incapacidade para um trabalho”, como ainda as transmitiriam aos seus descendentes.
Dessa maneira, por uma paradoxal inversão, enquanto a ciência pretende afastar os obstáculos que a impedem de dominar a natureza (domínio que permitiria o controle humano sobre a necessidade natural e colocaria praticamente tudo sob o poder humano), a genética parece trazer de volta as velhas ideias de fatalidade e de destino (ou a ideia de que nada podemos contra a necessidade natural), pois o crime e a doença passam a ser tidos como efeitos necessários de uma causalidade natural necessária - a hereditariedade. Dessa maneira, poder-se-ia até mesmo falar em “destino biológico”, tornando vazias as ideias de liberdade, responsabilidade e autodeterminação dos indivíduos.
Mas não só isso. A ideia de um suposto “destino biológico” pode ser fonte de violência e, portanto, moralmente inaceitável. De fato, essa ideia poderia acarretar a discriminação social das pessoas que tivessem os supostos genes “criminosos”, mesmo que jamais tenham cometido nenhum crime, ou genes “doentios para o serviço”, mesmo que tenham sido sempre saudáveis e trabalhadoras. E essa discriminação poderia ganhar proporções gigantescas de violência se se passasse a considerar que, sendo tais genes hereditários, a tendência à criminalidade ou à incompetência para o trabalho seriam características biológicas dos grupos sociais em que tais indivíduos nascem, vivem e procriam, de sorte que a discriminação atingiria grupos sociais inteiros.
Ora, a ideia de “destino biológico” é cientificamente absurda. Como escrevem Suzuki e Knudston:
Uma mera lista de ADN (DNA) do genoma de uma pessoa poderia parecer a alguns uma visão profética do futuro dessa pessoa. No entanto, os genes representam somente uma das dimensões da identidade biológica de uma pessoa, isto é, a “natureza” biologicamente herdada, componente da eterna equação “natureza-cultura”, que se exprime em toda coisa vivente. Ao centrar-se exclusivamente em fatores hereditários, até mesmo uma suposta “sondagem gênica total” do ADN (DNA) de um indivíduo pode oferecer pouco mais do que uma visão momentânea das múltiplas forças que entram em jogo no desenvolvimento de uma vida humana.
Um segundo problema, derivado do anterior, é trazido pela chamada “terapia gênica germinal”, isto é, que intervém em células humanas da reprodução ou células germinais com a finalidade de curar doenças genéticas ou corrigir “defeitos genéticos”. Há aqui dois problemas graves, um deles propriamente científico e o outro diretamente moral.
Qual o problema científico? A intervenção sobre células reprodutoras para curar doenças genéticas não pode ser feita sem que se tenha uma clara e perfeita definição do que é a doença. Ora, a genética ainda não possui essa definição. Em outras palavras, o problema pode ser assim resumido:
1. qualquer doença genética só tem definição provisória, pois um gene que opera perfeitamente em certas condições do meio ambiente, da alimentação, do clima, pode operar menos satisfatoriamente em outras condições e isso (que seria tido como a doença) pode ser passageiro, bastando repor as condições adequadas para seu funcionamento;
2. há mudanças freqüentes nas seqüências de ADN (DNA), causando mutações aleatórias, responsáveis por doenças, sem que se possa prever ou “corrigir” tais mutações por interferência nas células reprodutoras, uma vez que as mutações são imprevisíveis e dependem de muitos fatores;
3. calcula-se que todo ser humano é portador de cinco a dez genes defeituosos ocultos, de maneira que, tanto um indivíduo perfeitamente saudável pode ser herdeiro e transmissor de uma doença como também a intervenção sobre células germinais de um individuo geneticamente doente não impede a conservação dos genes defeituosos ocultos.
Qual o problema moral? O da eugenia, isto é, a velha ideia de “pureza da raça” ou de purificação da espécie, em nome da qual não só seriam feitas intervenções e modificações nas células reprodutoras, mas também se justificaria a eliminação dos “impuros” ou dos “inferiores” ou dos “defeituosos”. Ora, quem define e quem decide o que é um ser humano “perfeito”? Com que direito alguns podem definir e decidir sobre o que seria um ser humano sem imperfeições e sem defeitos? A experiência do nazismo nos mostra os resultados de tal decisão.
Além disso, perfeição e imperfeição são valores culturais, variando de sociedade para sociedade e no correr da história, não podendo ser definidos com base em um padrão biológico único, o qual, aliás, também é um padrão cultural. Já imaginaram, ao lado do milho transgênico e da soja transgênica, o “ser humano transgênico”? Quem já leu o belo romance de Aldous Huxley, Admirável mundo novo, há de se lembrar do terrível pesadelo que é a pretensão de produzir “seres humanos perfeitos”, cada qual adequado a um determinado tipo de função na sociedade.
E, finalmente, além dos problemas éticos de violência envolvidos pela seqüenciação do genoma humano, há que mencionar outro efeito da engenharia genética e que se apresenta como a violência em sua forma extrema, algo moral e politicamente inaceitável: a produção de armas biológicas, isto ê, o uso deliberado de microrganismos (vírus, bactérias, fungos) ou de substâncias tóxicas obtidas de células vivas com o propósito de matar ou incapacitar seres humanos, animais e plantas. Numa palavra, o uso militar dos conhecimentos genéticos.
Uma breve reflexão

Os problemas assinalados significariam que devemos, supersticiosa e fanaticamente, nos opor à investigação genética? De modo algum. Os conhecimentos novos sobre os genes nos auxiliarão a combater doenças, sofrimentos e dores e a melhorar a prevenção e o tratamento de muitas desordens genéticas.
Ao mesmo tempo, porém, o que devemos e podemos exigir responsavelmente é, de um lado, o direito à informação pública correta sobre as pesquisas, suas finalidades e formas de aplicação (ou o combate ao segredo) e, de outro, a clareza quanto às conseqüências de curto prazo e os riscos de longo prazo. Como escrevem Suzuki e Knudston:
A ciência e a tecnologia são o produto da curiosidade humana, o irrefreável impulso da mente para conhecer, explorar, mudar. E devemos alimentar essa qualidade a todo instante. Porém, também precisamos reconhecer que há a necessidade de um padrão moral em que a curiosidade científica possa exprimir-se sem expor as populações humanas e seus ambientes a riscos inaceitáveis e danos irreparáveis.

Alguns preceitos da GenÉtica

Introduzindo a palavra GenÉtica, David Suzuki e Peter Knudston propuseram um conjunto de preceitos éticos com que os cientistas e os leigos ou os não-especialistas em genética podem julgar e avaliar eticamente as atividades e os fins dessa ciência e das tecnologias envolvidas por ela.
Esses preceitos éticos podem ser assim resumidos:
1. necessidade de que se conheça perfeitamente a natureza dos genes (origens, papel nos processos hereditários das células, possibilidades de controlá-los) antes de iniciar intervenções genéticas;
2. evitar e impedir a simplificação perigosa que estabelece uma relação causal entre os comportamentos das pessoas e supostos “defeitos” no ADN (D NA) humano;
3. as informações genéticas sobre um indivíduo devem ser conhecidas por ele para que possa usá-las livremente e não para que lhe sejam impostas sob a forma de restrições, discriminações e outros prejuízos;
4. as terapias gênicas que incidem sobre as células germinais ou reprodutoras humanas sem informação de toda a sociedade e sem o consentimento de toda a sociedade devem ser explicitamente proibidas;
5. o desenvolvimento de pesquisas e a fabricação de armas biológicas é uma aplicação eticamente inaceitável da genética;
6. o meio ambiente (raios de sol, radioatividade, substâncias químicas) pode causar mutações que alteram ou destroem a informação genética contida nas moléculas genéticas; cada um de nós tem o direito de receber as informações sobre as condições do meio ambiente e ter a responsabilidade para impedir sua deterioração ou para minorar seus efeitos prejudiciais;
7. a transferência de genes de uma espécie para outra deve ser considerada zona de perigo e não deve ser realizada até que a ciência tenha perfeito conhecimento do alcance do intercâmbio genético entre espécies;
8. a diversidade genética (ou a biodiversidade) tanto nas espécies humanas como nas animais e vegetais é um recurso planetário precioso que deve ser preservado e controlado por nós; até o momento, as espécies transgênicas são um perigo para a biodiversidade planetária e para a vida;
9. o mero acúmulo de conhecimentos genéticos não garante a sabedoria, a prudência e a correção de nossas decisões e não pode ser invocado para controlar os seres humanos;
10. questões que precisam ser postas e para as quais a sociedade precisa buscar respostas:
a) pode-se permitir que indivíduos privados e empresas privadas tenham a propriedade exclusiva das informações contidas nos genomas produzidos pela engenharia genética (os transgênicos)?
b) pode-se permitir que empresas biotecnológicas façam aplicações genéticas (sondagem genética, terapia genética, clonagem, transgênicos, etc.) tendo como finalidade apenas o lucro e à custa de aspectos não lucrativos que têm a ver com a saúde, a alimentação, o meio ambiente?
c) que preço psicológico, moral, cultural e político queremos pagar se decidirmos aprovar o uso das tecnologias gênicas não para celebrar a diversidade genética existente entre os seres humanos, mas para impor uma definição arbitrária do que se deve entender por “ser humano”?

Ética e Ecologia (Jung Mo Sung)
Ecologia é a ciência que estuda as relações de intercâmbio e transformação de energia entre os seres vivos, engloba a relação de todas as coisas existentes entre si e com tudo o que existe. Nesse sentido, a ecologia não se restringe ao campo da biologia, mas se estende por várias ramas de conhecimento, principalmente ao da economia e da política. Aliás. "ecologia" e "economia" vêm igualmente da palavra grega oikos, que significa casa. A ecologia é o estudo da casa (ou economia doméstica), de como os seres vivos se relacionam entre si e com a sua casa, o planeta terra. Da mesma forma que uma dona-de-casa administra os bens escassos (o minguado salário do marido), ou seja, faz "economia", os seres humanos precisam conviver em harmonia entre si e com o ambiente que também é escasso e limitado. Nós seres humanas não estamos
fora da natureza, somos parte dela. Cada agressão que causamos à natureza também nos atinge, e daí a
urgência de mudança de atitude do homem frente à natureza.

Eco Desenvolvimento
É uma outra proposta para crise ecológica, que também não questiona as causas de tal crise e vê no avanço da sociedade industrial a solução para o problema. Através de novas tecnologias como energia solar, o controle dos poluentes e a reciclagem dos materiais que hoje são jogados no lixo, poder-se-ia reverter o processo de destruição da natureza.
Trata-se de uma proposta interessante que poderia solucionar a crise ecológica, se articulada com outras medidas, mas que isoladamente acaba caindo no vazio.
Historicamente, o avanço técnico tem contribuído progressivamente para destruição da natureza, e não para sua preservação. Por exemplo, entre 1500 e l850 foi eliminada uma espécie (animal ou vegetal) a cada 10 anos. Entre 1850 e 1950 uma espécie por ano. No ano de 1990 desapareceram dez espécies por dia. Por volta do ano 2000 desaparecerá uma espécie por hora. O processo de morte se acelera cada vez mais: Entre 1975 e 2000 terão desaparecido 20% de todas as espécies de vida.
A sofisticação dos produtos industrializados gerou também outros problemas ecológicos. A utilização do composto químico clorofluorcarbono, o CFC, em solventes de lavagem a seco aerossóis e inseticidas provoca a destruição da camada de ozônio (estrato atmosférico que protege a vida na terra das radiações ultravioletas). Calcula-se que para cada ponto percentual de diminuição na camada de ozônio surgem só nos EUA 10 mil casos de câncer de pele.
Como podemos observar, novas tecnologias mal utilizadas produzem também efeitos devastadores. Frente às pressões dos movimentos ecológicos, que são mais fortes na Europa, os países industrializados têm se limitado a depositar os rejeites tóxicos de suas indústrias poluidoras nos países pobres do hemisfério sul e até mesmo transferir as próprias empresas poluidoras para esses países.
A questão, portanto, não é de falta de tecnologias alternativas, mas em que direção deve caminhar o sistema produtivo. As tecnologias até hoje empregadas têm sido adequadas ao objetivo a que a sociedade capitalista se propõe: obter lucros cada vez maiores. Sem uma mudança nesse objetivo as tecnologias ecológicas jamais serão utilizadas.

Novas Atitudes Frente à Ecologia
Como podemos observar, as propostas que têm surgido em relação à crise ecológica fracassam justamente por não conseguirem romper os estreitos limites da ética individualista que orienta a sociedade de consumo. Uma proposta ecológica não envolve apenas melhoramentos no sistema capitalista, mas uma mudança na sua orientação, ou seja, uma mudança nos valores de toda sociedade.
Um dos valores mais difundidos na sociedade industrial é o de que as pessoas "progridem" ou "sobem na vida" à medida que têm um maior poder de consumo. Assim, o sistema capitalista se orienta no sentido de produzir sempre novos e mais sofisticados produtos para que as pessoas nunca se sintam satisfeitas com o que têm e, portanto, consumam cada vez mais. Para se atender ao desejo de consumo de uma parcela sempre maior da população, a economia se orienta para o crescimento e, por conseguinte, para o esgotamento dos recursos naturais.
Para reverter este processo é preciso repensar o modelo de felicidade da sociedade industrial. Que associa, erroneamente, padrão de consumo com bem-estar. As pessoas podem ser felizes com apenas o necessário para viver dignamente. Como já dissemos acima, se toda humanidade consumisse como as populações dos países ricos, os recursos naturais acabariam em poucos anos. Não é justo que para se manter o luxo de uns poucos a maioria da população mundial tenha que passar fome. Os países industrializados são os que têm maior poder para a solução da crise ecológica. Somente uma articulação mundial entre as organizações ecológicas dos países industrializados e dos países pobres, através de ações combinadas, como por exemplo o boicote mundial a indústrias poluidoras, protestos mundiais, etc., poderiam pressionar os grandes grupos econômicos e as autoridades governamentais a mudarem o rumo da grande nave-terra.
Não devemos, porém, esperar que de súbito a razão desça sobre a humanidade. Uma ética ecológica exige também uma mudança de atitude individual. Nós não somos donos da natureza, somos parte dela e, portanto, co-responsáveis pela manutenção do equilíbrio ecológico. Não só nós temos direito a uma vida digna, mas também nossos filhos e netos partilham desse mesmo direito. Destruir o planeta implica em retirar o direito de viver das futuras gerações.
A ecologia é, portanto, algo que deve ser vivenciado no nosso dia-a-dia através de mudanças de atitudes e na forma de percebermos a natureza. Poderíamos nos perguntar: "De que adiantaria eu parar de jogar lixo no chão enquanto os outros continuam fazendo isso?" Ocorre que se todos pensarem assim entramos num círculo vicioso. Um copo plástico jogado numa praia não parece danificar o ambiente, mas você já imaginou o que aconteceria se dez milhões de pessoas pensassem e fizessem o mesmo?
O ser humano vive melhor quando renuncia ao estar sobre para estar junto com os outros. Quando impõe limites a seus próprios desejos em nome do equilíbrio e harmonia. Só assim o ser humano descobre que não é só um ser de desejos egoístas, mas também um ser de solidariedade e comunhão.

Ética e Mídia (Jacqueline Russ)
As mídias - suportes de difusão maciça da informação - participam na mudança de sinais no seio do espaço público e suscitam, em virtude de certos desvios atuais, um múltiplo questionamento ético. O princípio da responsabilidade deveria regê-las, mas também o respeito à pessoa e ao cidadão.
São problemas muito antigos, posto que já Balzac, no As Ilusões perdidas, se entrega a uma sátira cruel do mundo da imprensa: "O jornal, em vez de ser um sacerdócio (...), tornou-se comércio; e como todos os comércios, é sem fé nem lei!" Mas, bem além das constatações do século XIX, vivemos, hoje, uma crise particularmente aguda, num tempo em que domina o audiovisual, em que as informações proliferam sem servir à verdade.
A "imagem-total" nos ameaça: essa constatação, por banal que seja, não poderia ser eludida. "A rapidez com a qual são difundidas, maciçamente, imagens brutas favorece o sensacionalismo, o emocional e a ausência de distanciamento. Os acontecimentos, no fim, só acedem à existência pela força da imagem” (Informação e deontologia, in Le Monde; 12 de fevereiro de 1993). Essas evoluções contribuem para esvaziar os esclarecimentos profundos, a fazer ver a imediatez do mundo, percebido a grosso modo, sem verdadeira análise nem teoria. A televisão, mídia por excelência de nosso tempo, cria o acontecimento de modo factício. Se ela é hoje, como Dominique Wolton sublinha, constitutiva de nossa antropologia, se a imagem quotidiana faz parte de nosso tempo, a desinformação não é menos manifesta. Existe aí um reino do espetáculo, como Guy Debord nos mostra, desde 1967. Quando o fluxo das imagens carrega tudo, quando qualquer um dirige a seu bel-prazer um "resumo simplificado do mundo sensível" (Guy Debord), que é que se torna o serviço à verdade, missão essencial do jornalismo?
Desvios onipresentes nas evoluções atuais que conduzem a um debate sobre a deontologia (deveres éticos aplicados na profissão) das mídias. Refrear a sede de dinheiro, restaurar a seriedade intelectual, edificar jornais e órgãos de imprensa mais responsáveis: tantas intenções louváveis, que suporiam um encarregar-se e um debate coletivos. Produzindo uma parte importante do humano de nosso tempo, criando nosso imaginário (de maneira freqüentemente artificial), as mídias são assunto de todos. A ética das mídias, primeiro deontologia que respeita o público, se enraíza num projeto de responsabilidade e de respeito que dá forma às éticas aplicadas de hoje.
“A determinação do conteúdo veiculado pelas mídias não pode ser abandonada ao simples jogo do mercado publicitário (...) A questão da ética das mídias e da orientação prospectiva de novas tecnologias de comunicação, de inteligência artificial e de comando constitui, com a problemática ecológica, um dos dois eixos de recomposição de um pensamento de progresso para o planeta de hoje" (F. Guattari, Pour une éthique des médias, in Le Monde, 6 de novembro de 1991).

Questões
1) O que é Moral?
2) Como podemos definir a Ética?
3) Quais são as semelhanças entre Moral e Direito?
4) Explique a virtude e o Vício. Dê exemplos.
5) Explique o juízo de fato e o juízo de valor.
6) Como a razão controla as paixões? Como o racionalismo explica a necessidade, desejo e vontade?
7) Explique se existe uma Ética ou várias éticas na pluralidade dos comportamentos sociais (Aponte as diferenças e semelhanças da Ética e das éticas profissionais).
ATENÇÃO: NESSAS QUESTÕES ABAIXO VOCÊ VAI DAR SUAS OPINIÕES BASEADAS NO TEXTO E NA DISCUSSÃO DA AULA.
8) Como você relaciona Ética e liberdade?
9) Como você entende a ação da ética no campo da violência?
10) O que você pensa, entende sobre a Ética cidadã na sociedade tecnológica?
11) Como você vê a ação da ética na política?
12) Qual a importância da ética para orientar a economia? Opine.
13) A Bioética (ética da vida) é importante para evitar abusos científicos e orientar o uso do conhecimento humano? Dê sua opinião.
14) Como você entende a ação Ética na ecologia?
15) Qual a importância da ética na mídia, nos meios de comunicação?